Banco mau ameaça contas públicas

Veículo financeiro com ativos problemáticos deverá receber garantias do Estado, que não contam para o défice quando são  atribuídas. Mas se houver incumprimento e as garantias forem executadas são os cofres públicos a pagar.

Banco mau ameaça contas públicas

A assertividade com que o primeiro-ministro garantiu ontem que a criação de um ‘banco mau’ com crédito malparado do sistema financeiro não vai penalizar os contribuintes  não encontra sustentação nas regras contabilísticas europeias, que indicam que as garantias do Estado a ativos do sistema financeiro podem pesar nas contas públicas, em determinadas circunstâncias.

Mesmo que o Estado não tenha de avançar diretamente com os 20 mil milhões de euros que o primeiro-ministro estima como crédito malparado em Portugal, um veículo financeiro que fique com este montante de ativos problemáticos teria pelo menos de ter uma garantia do Estado. Ou seja, o Tesouro português terá de garantir que, se algo correr mal e houver incumprimento, os cofres públicos são o pagador de último recurso.

Em Espanha, o  banco Sareb, que ficou com o crédito malparado do país vizinho, comprou aos bancos do sistema 51 mil milhões de euros de ativos problemáticos. O Estado não injetou dinheiro diretamente: o Sareb contraiu dívida no mercado para pagar aos bancos por esses ativos. Mas a dívida foi garantida pelo Estado espanhol. Se o banco mau espanhol não honrar eses compromissos, essa garantia pode ser executada. E o banco mau espanhol tem vivido dias difíceis desde a criação, com anos sucessivos de prejuízos (ler ao lado).

E se houver incumprimento?

É em caso de incumprimento que começam os problemas para as contas públicas. Segundo explicou ao SOL fonte oficial do Instituto Nacional de Estatística (INE),  as garantias concedidas pelo Estado ao sistema financeiro são geralmente consideradas «passivos contingentes» e não têm impacto no défice nem na dívida no em que são concedidas.
Mas estas operações podem ter impacto no défice «no momento em que são executadas». Isto é, se houver incumprimento por parte do veículo financeiro e a garantia dada pelo Estado for acionada.

E se houver um incumprimento reiterado o cenário piora. Segundo o INE, «à terceira execução de uma garantia, toda a dívida garantida terá nesse momento impacto no défice».

Imaginando a situação do veículo financeiro com o crédito malparado, a dívida garantida pelo Estado terá de ser refletida nas contas públicas se a situação financeira desse veículo se degradar e o ‘banco mau’ não conseguir pagar os empréstimos que contraiu. Seria o Estado a ficar com essa fatura.

Além disso, acrescenta o INE, existem «circunstâncias particulares» que podem implicar impacto das garantias no défice logo no momento em que são concedidas, «nomeadamente se for considerado que existe uma elevada probabilidade de a garantia ser executada». Há ainda o caso das chamadas garantias ‘estandardizadas’, em que se regista «uma parte da perda esperada no momento em que as garantias são concedidas».

A complexidade  das operações é de tal ordem que as autoridades estatísticas têm de fazer uma análise caso a caso. «A decisão nestes casos particulares depende de uma análise aprofundada da situação em causa», explica o INE.

A vigilância de Bruxelas

O impacto de um banco mau nas contas públicas não é a única incógnita desta operação. Uma vez que as ajudas públicas aos sistema financeiro são fortemente desincentivadas ao abrigo da legislação comunitária, Portugal terá de enfrentar a validação da Comissão Europeia numa operação deste género.

Mesmo em Itália, onde o Governo chegou a acordo com os bancos para criar um veículo financeiro que ajude na recapitalização do sistema financeiro, a Direcção-Geral da Concorrência europeia ainda terá uma palavra a dizer.
«Vimos relatos da imprensa sobre um fundo para ajudar os bancos italianos . Só temos informações preliminares sobre esta matéria e não estamos em condições de avaliá-la. Estamos em estreito contacto com o governo italiano», disse ao SOL Alexander Winterstein, porta-voz da Comissão Europeia.

Caso o ‘banco mau’ avance em Portugal, a vigilância de Bruxelas colocar-se-ia. Sempre que uma medida envolve um auxílio estatal, o Estado-membro tem de notificar à Comissão para a apreciação ao abrigo das regras da UE.