Há meia dúzia de anos, o goleador Jamie Vardy trabalhava numa fábrica de próteses de fibra de carbono, o incansável N’Golo Kanté era um modesto jogador da terceira divisão inglesa e o talentoso Riyad Mahrez (agora cobiçado por meia Europa) andava perdido pelos campeonatos regionais.
Hoje, os três estão sentados no trono da Premier League e podem ter direito a uma homenagem simbólica caso se sagrem campeões pela primeira vez na história do Leicester. ‘Vardy Vale’, ‘Kanté Street’ ou ‘Mahrez Road’ são apenas algumas das ideias de Peter Soulsby, presidente da câmara, que em caso de título promete honrar os jogadores dos foxes ao atribuir os seus nomes às ruas da cidade.
Esta espécie de conta de fadas, que caminha para um final feliz, poderia ser um verdadeiro caso de estudo, já que há dois anos o Leicester estava no Championship (segundo escalão) e na última época lutava contra a despromoção na Premier League. De forma surpreendente, o modesto clube do centro de Inglaterra é neste momento rei e senhor de uma das Ligas mais competitivas e mediáticas do mundo e encontra-se a três vitórias de conseguir um feito inédito em mais de 100 anos de história no currículo.
Uma proeza que nem o príncipe William, confesso adepto do Aston Villa, deixou passar em branco: «Anseio pela conquista do título do Leicester. Penso que seria positivo para o desporto», revelou na cerimónia do décimo aniversário como presidente honorário da Federação Inglesa Futebol.
O próprio treinador, o mal-amado Claudio Ranieri, tem poucas explicações para o fenómeno, já que no início da época o presidente do Leicester, o multimilionário tailandês Vichai Srivaddhanaprabha, apenas lhe pediu que amealhasse 40 pontos, de forma a garantir a tão desejada permanência na Premier League.
«Depois daquela conversa, nem imaginei que poderia abrir um jornal em abril e ver o Leicester no topo da tabela. No último ano, o clube lutava para não descer. É inacreditável. Este é um clube pequeno. 26 jogadores, 26 cérebros diferentes. Um só coração», contou recentemente o técnico italiano, de 64 anos, que chegou aos foxes depois de uma passagem inglória pela Seleção da Grécia, onde foi despedido ao fim de quatro jogos.
Algo que não é surpresa no currículo daquele que já foi um dos ódios de estimação de José Mourinho. Ranieiri passou por clubes como Valência, Atlético de Madrid, Chelsea, Juventus, Roma e Inter, mas apenas se pode orgulhar de 3 títulos, todos em divisões secundárias: na Fiorentina (2.º escalão), Cagliari (3.º) e Mónaco (2.º). O rumo dos acontecimentos parece estar a mudar, muito por culpa das pizzas que tem oferecido ao plantel.
À passagem pela 10.ª jornada, o italiano quis acabar com os golos sofridos e prometeu oferecer pizza aos jogadores sempre que o Leicester não sofresse golos. Parece ter resultado: nos últimos 23 jogos, apenas em 10 ocasiões o guardião Kasper Schmeichel foi batido. E a cinco jornadas do fim do campeonato, o surpreendente líder inglês já deixou para trás o atual campeão Chelsea (10.º), o Arsenal (3.º), o Manchester City (4.º), o United (5.º) e o Liverpool (8.º). Apenas o Tottenham segue na perseguição, embora com sete pontos de atraso.
A cidade está em festa, até porque, no mínimo, o Leicester já garantiu a primeira presença na Liga dos Campeões. Talvez por isso, em apenas 90 minutos, o tempo de um jogo de futebol, os bilhetes para o último jogo em casa, frente ao Everton, a 7 de maio, que pode ser o jogo do título ou da consagração, esgotaram. Na internet, os ingressos chegam a custar 18 mil euros.
O sonho comanda a vida e, neste caso, parece cada vez mais uma realidade.