Estamos dependentes do tráfico

1.O escândalo dos Panama Papers é mais um prego no caixão da decência. Vários analistas têm apontado a dificuldade do assunto: as offshores não são ilegais, mas colocam problemas éticos e morais. Conversa de crianças. Porque o assunto principal não é esse – se o fosse, os legisladores tornariam ilegais as offshores para evitar a…

Então porque não as ilegalizam? Porque uma parte substancial do dinheiro que circula no sistema financeiro deixaria de existir; o nosso bem-estar está alicerçado na dependência da quantidade de dinheiro que circula. Se retirarem esse dinheiro, lavado nas offshores, o mundo como o conhecemos desmorona. Estamos dependentes dos vários tráficos.

2. Gosto de Luís Portela. O seu trabalho na farmacêutica Bial foi extraordinário. Um visionário que soube, em nome de uma ideia, transformar um pequeno negócio num grande projeto internacional.

Ao longo da sua vida deu entrevistas, escreveu livros, mostrou ser um homem que, antes de tudo, queria perseguir uma ideia moral, respeitar um compromisso que sentia ter com o mundo, com os outros e a própria transcendência. Uma pena ter telhados de vidro.

3.Sinceramente não percebo a polémica criada com Diogo Lacerda Machado, o amigo de António Costa. Parto do princípio de que posso estar equivocado, mas não consigo entender. Desviou dinheiro do Estado? É incompetente? Não podia ser convidado por ser amigo do primeiro-ministro?

Com um país tão pequeno como o nosso, se não se pode fechar negócios com o Estado por se ser amigo de um governante, a larga maioria dos contratos que foram assinados nos últimos 40 anos não o poderiam ter sido. Porque toda a gente conhece toda a gente, toda a gente almoçou com toda a gente. Um pouco patético.

4.Péssimo sinal a saída do secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Não é um assunto importante embora convenha não o desvalorizar. Não faço a mais pequena ideia se o ministro da Educação tem mau feitio (admito que sim), mas ocorreu-me perguntar se mais governantes são feitos da massa deste secretário de Estado.

Sair ao fim de umas semanas do Governo e escrever o que escreveu numa rede social, mostra um ego absurdamente elevado para aquilo de que mostrou ser capaz. Quem o escolheu deve estar arrependido.

5.Muitos vitoriaram o novo ministro da Cultura. Li e ouvi elogios sobre a sua poesia, visão, carreira, cultura. Aplausos unânimes que me deixaram em suspenso: ou eu sou inculto de pai e mãe (terei de me conformar) ou grande parte dos que escreveram desejaram parecer o que não são e acabaram por ir ao encontro do grande problema da Cultura neste país: subserviência em relação aos poderes.

Pela minha parte, nunca ouvira falar do senhor.

6.O Bloco de Esquerda quer mudar o nome do Cartão de Cidadão. Por ser atentatório do princípio de igualdade e por, na sua opinião, ser uma ‘linguagem sexista’. As pessoas são loucas. Bem intencionadas, mas loucas varridas.

7.António José Seguro voltou a falar. Durante mais de um ano fez um silêncio que lhe permitiu voltar a ganhar peso político e respeitabilidade – alguém capaz de se calar quando tantos o devem ter pressionado a falar, não era para todos.

Achou por bem regressar. E o que disse? Que António Costa beneficiou por estar na Quadratura do Círculo, como Marcelo Rebelo de Sousa beneficiou por ser um personagem televisivo. A indignação é sempre um espasmo da inteligência. A indignação e o ruminar no que já foi. Não faz bem à saúde. 

luisosorio@stateofplay.pt