Cartão da Cidadania, e por que não?

O Bloco de Esquerda apresentou esta semana na Assembleia da República uma proposta para que a designação do Cartão do Cidadão seja substituída por outra mais respeitadora e promotora da igualdade entre homens e mulheres: Cartão de Cidadania. E justificou a proposta dizendo que «valoriza o documento de identificação pela sua importância e considera que…

De forma ‘pavloviana’ como é habitual, sobretudo na internet, logo surgiram as mais variadas reações, a maioria dizendo que há coisas mais importantes e urgentes para debater e decidir no país do que mudar o nome do documento oficial que tem os nossos números civil, fiscal, de saúde e segurança social. O mesmo tipo de reações que se continuam a ouvir, aliás, quando se fala de quotas obrigatórias de mulheres nos órgãos de decisão política e empresarial ou até mesmo de licença de paternidade, algo ainda considerado abstruso na maioria das empresas.

Na verdade, trata-se de um acrescento de duas letras que muitos acharão apenas simbólico, mas que, como todos os símbolos, faz toda a diferença. As medidas que promovem a igualdade entre homens e mulheres não se restringem às que têm efeitos imediatos e práticos, também tem que se atuar no domínio das mentalidades e a linguagem é um dos principais meios.

Por coincidência, o Cartão do Cidadão, criado em 2007, é contemporâneo da legislação que impôs quotas de mulheres nas candidaturas às eleições legislativas, autárquicas e europeias – leis que suscitaram muita discussão na altura, mas que foram a única forma de aumentar e garantir a participação das mulheres na política, sendo poucas agora as vozes críticas, que se tornaram até politicamente incorretas.

Depois da política, e ainda poucos se deram conta, tivemos as leis das entidades reguladoras que impuseram quotas e regras de alternância de homens e mulheres nas respetivas presidências. Por outro lado, o Governo anterior preparou, e o atual já anunciou que vai levar por diante, a imposição de quotas nas administrações das empresas públicas, até 2018, e nas empresas cotadas em Bolsa, até 2020.

E há ainda o setor da Justiça, onde em breve alguém vai ter de quebrar o politicamente correto e iniciar a discussão da adoção de quotas de género no acesso à magistratura, pois as mulheres são já uma maioria e a tendência é para aumentarem, tendo em conta os números de licenciadas nas universidades de Direito. Mas isso é motivo para outra reflexão.

paula.azevedo@sol.pt