O Ministério Público (MP), em acusação que foi ratificada por um juiz de instrução em fevereiro passado, imputa ao advogado e ex-autarca oito crimes de prevaricação (um por cada empreitada). Trata-se de um crime previsto na Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, para punir quem tomar decisões “contra Direito” e “com intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém”.
Neste caso, Fernando Seara é acusado de ter mandado atribuir às empresas João Jacinto Tomé e Pinto & Bentes empreitadas de iluminação pública em oito ruas e estradas do concelho de Sintra.
Na fase de instrução do processo, o antigo autarca defendeu-se dizendo que não foi ele quem ordenou a entrega das empreitadas àquelas empresas e que as obras decorreram ao abrigo de “um contrato de concessão de distribuição de energia elétrica celebrado entre a Câmara e a EDP”. Nesse âmbito, salientou, limitou-se a “emitir uma decisão política sobre as prioridades a adotar na colocação dos postes de iluminação”, tendo os serviços dado indicação à EDP, que “realizou as obras”.
Outras obras prescritas
Esta versão, porém, segundo o despacho de pronúncia, não foi corroborada nem pelas testemunhas no inquérito (funcionários da autarquia e responsáveis da EDP e das duas empresas), nem pela documentação existente na CMS. Foi a autarquia, aliás, em 2014 (já liderada pelo socialista Basílio Horta), quem fez queixa ao MP, depois de ter sido instada pelas empresas a pagar as obras, o que ainda não aconteceu.
No inquérito, o MP encontrou uma série de outras adjudicações sem concurso às mesmas empresas, nos anos de 2004 e 2005, totalizando mais de 300 mil euros – que não foram incluídas na acusação por já estar prescrito o prazo para o procedimento criminal.
O MP chegou a acusar, a par de Fernando Seara, o chefe de Divisão de Iluminação Pública e Eletricidade da Câmara de Sintra à data das obras, Vítor Ferreira. Mas o juiz de instrução arquivou a acusação contra este funcionário por considerar que o crime, a provar-se, será da inteira responsabilidade do ex-presidente, que deu as ordens para as obras (o que Seara contesta).
Os testemunhos de Seara e de Vítor Ferreira são, de resto, apontados como “contraditórios” pelo juiz. O funcionário disse que as oito obras foram “um complemento dos trabalhos executados pela EDP” e já da responsabilidade da autarquia: foram “realizadas ao abrigo de um contrato de ‘empreitadas de trabalhos diversos’” entre a Câmara e as empresas. Esta versão, porém, segundo constata o juiz no despacho de pronúncia, não colhe pois as datas das obras em causa não coincidem com as desse contrato. E um diretor da EDP foi dizer ao processo que as empreitadas eram exclusiva “iniciativa da autarquia”.
Adjudicação ‘verbal’
Para o MP e o juiz de instrução, há indícios de que houve um objetivo de beneficiar as empresas, às quais foi entregue, “verbalmente”, a execução de obras no valor global de 200 mil euros, “impedindo-se qualquer outro interessado de concorrer”. Uma versão que é contestada por Fernando Seara, que remete a responsabilidade das ordens para os serviços e questiona onde está o benefício, tendo em conta que as empresas ainda nem receberam.
O julgamento está marcado para 25 de outubro próximo, no Tribunal de Sintra. Contactado pelo SOL, Fernando Seara não quis fazer comentários.