“Só por milagre não tem havido problemas de saúde mais graves”, diz ao SOL um elemento desta unidade, que pede para não ser identificado. Aliás, o “medo das represálias” é a razão apontada para que o estado em que se encontram algumas instalações da PSP – e da GNR – não seja mais conhecido. Por outro lado, há entre os elementos desta unidade a filosofia de que têm de ser “duros”. Ao ponto de, em pleno inverno, a maioria dos homens na Quinta da Bela Vista, onde está instalada a Unidade Especial (UEP) de Polícia do Porto, tomar banho de água gelada porque a caldeira só tem capacidade para os primeiros três ou quatro banhos. E depois do duche “é preciso esperar quase uma hora para a água escorrer”. A alternativa é “ir de botas para o chuveiro, porque de chinelos é impossível”, conta um elemento da unidade especial.
Tetos ameaçam segurança
Nesta altura, está em causa a própria segurança física dos agentes que trabalham nestes espaços. No caso da PSP, os problemas mais graves afetam as instalações da Unidade Especial de Polícia de Lisboa e do Porto, além da Divisão de Trânsito: é este o top 3 dos espaços mais degradados, no levantamento feito pela Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP-PSP).
Na capital, o perigo era de tal forma eminente que foi preciso colocar escoras para evitar que o telhado ruísse e caísse em cima dos homens do Corpo de Intervenção (CI). Na Divisão de Trânsito, já se passou essa fase: depois de um inverno chuvoso, em janeiro de 2013 a estrutura não resistiu e o teto cedeu.
Na Calçada da Ajuda, as instalações sanitárias antigas, com canalizações muito para lá do prazo de validade, deixam o ar impregnado de um permanente cheiro a urina. No interior, a pouca tinta agarrada às paredes surge lado a lado com manchas negras, num ambiente carregado de humidade e que põe em causa a saúde de largas centenas de profissionais.
Fora da UEP, os problemas são outros. Há muitas esquadras que continuam a funcionar em lojas ou andares de prédios de habitação, esquadras com entrada única para agentes e civis, esquadras sem um espaço para os agentes tomarem as refeições e esquadras apertadas, que alguns agentes definem como sendo um “verdadeiro buraco”.
Neste caso, os riscos são outros. “Uma das piores coisas que pode haver numa esquadra é um corredor apertado”, que impede que os detidos sejam acompanhados por dois agentes, um de cada lado, como ditam as regras de segurança, refere Paulo Rodrigues, presidente da ASPP.
No Porto, nas instalações encaixadas entre o Parque de São Roque e o Estádio do Dragão trabalham diariamente cerca de 200 pessoas, entre elementos da UEP, das oficinas da polícia, do armamento e do equipamento da PSP. Invadida pelo musgo, parte dos edifícios está de tal forma degradada que, segundo Paulo Rodrigues, “mais parece um jardim zoológico”.
Nas imagens do interior da UEP, a que o SOL teve acesso, é possível perceber como a degradação se alastrou, sobretudo pela zona dos duches e das casas de banho. Na sala da caldeira, a humidade também já destruiu a tinta das paredes. Nas camaratas, o ambiente não é mais saudável: as infiltrações deixaram as mesmas marcas nas paredes e teto.
Paulo Rodrigues reconhece que, “até 2002, o Porto era a zona do país em pior estado, mas muitas das esquadras têm vindo a ser alvo de intervenção nos últimos anos”. Outras foram construídas de raiz. O problema é que a degradação de esquadras das forças de segurança não é exclusiva daquela cidade e nem sequer se esgota nos casos da PSP.
Problema conhecido há muito
A degradação de algumas infraestruturas da PSP e da GNR tem-se agravado ao longo dos anos e o poder político conhece o problema. Mas as soluções tardam.
Os ‘guarda-costas’ oficiais do Presidente da República, do primeiro-ministro e até dos vários ministros de cada governo são recrutados na UEP. Não foi deles que o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo ouviu um alerta dando conta da degradação em que se encontrava a ‘casa’ destes agentes. Mas, quando chegou à Quinta da Bela Vista, o então governante percebeu que o cenário era bem pior do que imaginava. “Afinal, não era exagero nenhum, isto só por si é que já é um exagero”, desabafou Macedo aos membros da comitiva.
Em março, o jornal Observador publicou uma lista ampla de instalações a precisar de intervenção e que teria sido preparada há quase dez anos, quando António Costa era ainda ministro da Administração Interna. Das quase 40 obras referidas – entre esquadras, sedes de divisão e até canis da GNR -, metade estaria “pendurada”. Seis deveriam arrancar este ano e 12 estariam em curso ou quase concluídas, estando o Centro Operacional do Norte 112 e o Comando Metropolitano do Porto da PSP concluídos.
Em resposta ao SOL, o gabinete da ministra Constança Urbano de Sousa refere que “no MAI não existia um estudo global atualizado sobre o estado das infraestruturas das forças e serviços de segurança”. Neste momento, está em curso “um levantamento rigoroso a nível nacional”, para avaliar os problemas e apontar intervenções prioritárias, depois de o atual Executivo ter verificado que “alguns dos investimentos em curso não atenderam às prioridades das instalações policiais”. Esse “levantamento” em curso “estará cumprido em breve”.
No entanto, para a PSP, essa tarefa já estará mais avançada. Em resposta ao SOL, a Direção Nacional refere que “o levantamento e a identificação de necessidades de intervenção em instalações da PSP está elaborado” e que as intervenções estão a ser coordenadas com o MAI, “de acordo com uma linha temporal que permita a sua resolução adequada, no quadro das disponibilidades orçamentais”.
Verbas sempre insuficientes
A solução esbarra sempre na falta de verbas. No Orçamento do Estado (OE) para este ano, o governo inscreveu cerca de 17 milhões de euros na rubrica destinada a intervenções em infraestruturas das forças de segurança. Valor insuficiente para fazer face às necessidades reais.
O Governo herdou uma empreitada estimada em 35,8 milhões de euros, que, segundo o anterior Executivo, seriam suficientes para resolver os problemas. Mas o gabinete da atual ministra diz que a estimativa – que já era superior à reserva do OE – não prevê “o valor real da obra” em causa.
O Ministério até admite a “possibilidade” de o montante ser reforçado. Mas também sublinha que “é pouco provável” que essa solução seja adotada, “na medida em que, estando ainda um elevado número de projetos de execução em elaboração, o MAI, em coordenação com as forças de segurança, tem procedido à sua revisão no sentido de procurar uma redução de custos sem colocar em causa a operacionalidade das instalações policiais”.