Nos últimos meses, têm-se multiplicado as manifestações nos setores do leite e da carne de porco e uma das queixas é exatamente o efeito que as promoções acabam por ter.
Carlos Neves, presidente da Associação dos produtores de leite de Portugal (Aprolep), explica que, neste caso, “a margem está completamente esmagada”. Apesar de não venderem diretamente aos hipermercados, o presidente esclarece que vendem “à indústria e, claro, que eles fazem as contas deles e tiram a sua margem”: “O produtor é o elo mais fraco. Não podemos ir aos nossos fornecedores negociar o preço dos tratores ou da luz. Estamos no fim da cadeia e somos nós que temos de aguentar o prejuízo”.
Leite a 50 cêntimos? ‘É com prejuízo, de certeza’
Carlos Neves entende que o problema ganha contornos ainda mais dramáticos com o facto de que “pagam como entendem e como podem”. Para o presidente da Aprolep, a situação tem ficado cada vez mais complicada: “Temos o leite mais barato da Europa. As pessoas devem ter a noção de que, quando compram o leite abaixo de 50 cêntimos, é porque está a dar prejuízo, de certeza. Sabemos que, em França, o leite é vendido a 90 cêntimos e, em promoção, a 80”.
Também os produtores da carne de porco têm protestado, assegurando que 40% da produção suína em Portugal está ameaçada.
Já no final do ano passado, Vítor Menino, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores (FPAS), esclareceu que, mesmo com as pessoas mais atentas e disponíveis para consumir carne de porco nacional, “as grandes superfícies aumentaram os preços por quilo de carne, mas para os produtores continuam a ver o mesmo valor, ou seja, eles é que aumentam a margem de lucro”.
Suinicultores em crise já em 2003 e 2012
As situações que mais contribuíram para o agravamento da situação dos suinicultores foram o embargo económico à Rússia, a crise em Angola e também o facto de todo o setor – nomeadamente a fixação dos preços pagos ao produtor – “estar em grande parte, nas mãos da distribuição”, garantem os produtores.
Uma outra questão que os produtores colocam é o do preço à produção que Portugal pratica. Estes trabalhadores pretendem que Portugal não continue a ter preços mais baratos do que Espanha.
Em 2003, muito se falou da “matança” de todo o setor e da consequente falência das pequenas e médias empresas ligadas à suinicultura. Já nessa altura se apontava o dedo à crescente importação de carne de porco e à apatia das entidades responsáveis pelo incentivo ao consumo de produtos nacionais. Em 2012, novo cenário dramático: o preço da carne pouco tinha subido nos seis anos anteriores, mas os custos tinham aumentado 6,6%.
Alerta para o colapso
Uma das manifestações que teve mais impacto aconteceu em março deste ano. Largas dezenas de produtores de leite e de carne protestaram na zona do Porto contra “o colapso dos setores”. A manifestação juntou cerca de duas centenas de tratores que, em marcha lenta, seguiram para junto de dois hipermercados, onde as palavras de ordem centravam-se na defesa dos produtos nacionais. Já antes disto, cerca de 300 camiões de suinicultores do país inteiro se tinham deslocado para Lisboa, para protestarem em frente ao Ministério da Agricultura. Mais uma vez pediram ajuda para o setor, que enfrenta “graves dificuldades”.
Por esta altura, Carlos Neves, presidente da APROLEP, fazia saber que a situação é complexa e cada vez mais grave. “O setor sentia necessidade de fazer uma grande manifestação. Muitos de nós estão a receber a 20 ou 22 cêntimos, alguns a 25. E muitos outros estão obrigados a reduzir drasticamente a produção, em 20%, de um mês para o outro. Estamos obrigados a abater animais, o que nos vai impedir de cumprir as prestações e o que tínhamos programado”, explicou o dirigente.
Quando ao futuro, Carlos Neves diz apenas: “Prometeram que a situação vai melhorar, mas não temos notícia de qualquer acordo fechado”.
Um débito de 100 mil euros
Em janeiro, algumas notícias chamavam a atenção para o facto de alguns fornecedores de supermercados e hipermercados estarem a receber notas de débito enviadas pelas empresas de grande distribuição, de forma a corrigir valores contratuais que tinham sido inicialmente estabelecidos. Um dos casos era uma compensação por descontos que superava os 100 mil euros.
O SOL contactou a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, mas não foi possível obter uma resposta.