26 dias depois, o “The Normal One” – como a “La Gazzeta dello Sport” o apelidou -, o “perdedor simpático”, alcunha da imprensa brasileira, ou simplesmente um senhor que decidiu entregar “ao povo o título” em Inglaterra, qual conto de fadas, conseguia pela primeira vez um título de campeão.
Nascido em Roma no ano de 1951 num bairro de classe operária em Testaccio, Claudio, filho de um talhante, optou por não seguir o negócio de família como os seus irmãos e decidiu prosseguir os estudos. Como jogador escolheu ser defesa – um dos antídotos deste Leicester esta época – mas aos 35 anos largou as chuteiras para se formar como treinador.
E depois? Depois vieram os bons resultados no seu país. Quase, a bem dizer. A primeira missão seria retirar o Cagliari da terceira divisão e voltar a colocá-lo na Serie A, um feito que durou três temporadas consecutivas de 1988 e 1990. Logo veio uma passagem pelo Nápoles em 1991/92, quando Maradona já andava perdido nas drogas, onde se ficou apenas pelo quarto lugar. Seguiu-se a Fiorentina, com o mesmo objetivo, igualmente alcançado, do Cagliari (mas da Serie B), uma taça italiana e uma supertaça italiana em 1996. Na época seguinte pegou num Valência no fundo da tabela para vencer mais uma taça e qualificar-se para a Liga dos Campeões em 1999 – e mais um caneco, a Supertaça Europeia mas só em 2004 quando regressou.
E neste intervalo de tempo? Uma experiência no Atlético que durou nove meses desastrosos que acabaram com a equipa nos lugares de despromoção e despedido. Seguiu-se o Chelsea, de 2000 a 2004. A entrada do multimilionário Roman Abramovich dava-lhe as condições necessárias para conquistar tudo. Esse foi um risco que lhe saiu caro (até ao nível linguístico, porque o inglês foi um dos seus calcanhares de Aquiles) com um segundo lugar na liga inglesa e umas meias finais da Liga dos Campeões perdidas. E que viria a ser remediado por outro homem que o substituiu – o seu “némesis” do futebol com quem trocou um par de críticas -, José Mourinho, depois do português vir de um Porto campeão europeu. “ É velho e não ganhou nada [o italiano tinha 56 anos na altura]”, disse Mourinho em 2008/9, o ano em que a Juventus de Ranieri (acabada de subir da segunda divisão) ficou atrás do Inter do “Special One” – mal saiu da Juve, a Vecchia Signora tornou-se pentacampeã. As terras de sua majestade não lhe sorriram, mas não houve qualquer rancor – ficaram as saudades pelas “salsichas de Lincolnshire”, de que era fã -, e talvez uma hipótese de regresso porque “ainda se sentia inglês”, como confessou numa entrevista há oito anos atrás ao The Guardian, onde falou sobre o seu livro “Proud Man Walking” (2009).
E é aí que chegamos a 2015/16 depois de demissões atrás de demissões e sempre de um “quase” – falta referir um segundo lugar pela Roma em 2009/10, e outro pelo Mónaco em 2013/14 – que deixava cair por terra a ideia de que a simplicidade aliada a criteriosas estratégias de jogo no futebol não era, nem seria nunca, uma moda. E não esqueçamos a experiência grega, onde esteve como técnico apenas por quatro jogos até ser derrotado pelas Ilhas Faroé (0-1) para a qualificação para o Euro de 2016.
“Claudio Ranieri? A sério?” disse uma das lendas dos “foxes” (ou raposas, a alcunha da equipa de Leicester), o avançado Gary Lineker no verão passado com o anúncio da chegada do italiano. Opinião unânime sobre quem substituiria o polémico Nigel Pearson (insultos a fãs, jornalistas e lutas com jogadores), treinador que subiu o Leicester para a Premier league, mas que foi despedido em junho de 2015 – e o seu filho, mais três jogadores, por terem sido apanhados numa cassete com conteúdo pornográfico. Só que depois vieram as pizzas como fórmula de não sofrerem golos, o seu “dilly ding, dilly dong”, como se de um familiar se tratasse, para os “acordar”, James Vardy, o rapaz operário que se transformou num dos goleadores do campeonato inglês, e os fãs de futebol a apaixonarem-se pela história que estava a ser contada pelo “perdedor simpático”, sóbrio e bem disposto, e os seus jovens (e velhos também, atenção).
Contra as casas de apostas que davam uma “odd” de 1/5000 para a conquista deste título inédito pelos “foxes”, contra a sua história e a própria indústria do futebol, Ranieri, um homem simples, deixou-se que se sonhasse, entregou o “título ao povo pela primeira vez” – como disse numa das suas já conhecidas conferências de imprensa – e foi visitar a mãe Renata de 96 anos no dia em que se sagrou campeão – a sua “mamma” que disse em entrevista. ao jornal italiano “La Reppublica” que o filho se sentia o “Rei de Inglaterra”. Agora milionário e muito requisitado, mas sempre simples, o italiano de óculos redondos e de cabelo grisalho pode desfrutar dos passeios no lago com a mulher, outra vez. Porque o risco que correu desta vez, esse, finalmente compensou.