Carlos Carreiras: ‘É impossível legalizar tudo o que não está legal’

O presidente da Câmara de Cascais admite ter conhecimento de vários problemas no aldeamento e revela situações em que, após obras, os proprietários tentaram fugir ao pagamento atualizado do IMI.

A Câmara de Cascais tem conhecimento de que existem problemas dentro do Aldeamento Quinta da Marinha, entre proprietários de casas e a administração?

Sim, a Câmara tem conhecimento de problemas há dezenas de anos. Vários executivos foram confrontados com essas situações. Parte dos conflitos são de origem particular, entre particulares e a administração, e aí a Câmara não pode fazer nada. Quanto ao que nos diz respeito, à medida que foram surgindo obras não legais – já comigo como presidente – procedemos a embargos, para repor a legalidade.

Ou seja, têm tentado travar a clandestinidade neste bairro.

Por um lado não criar novas situações de ilegalidade e por outro ir recuperando as situações de ilegalidade que vinham de trás. Este processo já vem do início. Aqui no concelho temos a realidade dos bairros de génese ilegal e a deste aldeamento, que é diferente: começou por ser um bairro chamado aldeamento turístico, mas na verdade foi-se ilegalizando ao longo do tempo. Desde há vários executivos a esta parte tem-se vindo a agir no sentido de tentar repor a legalidade em todo o aldeamento, que de aldeamento já não tem nada. É hoje um bairro perfeitamente urbano.

E porque não se regulariza tudo de uma só vez?

Outro dos problemas que existem, além do acumular de situações ilegais criadas nas últimas décadas, é o facto de o aldeamento estar inserido no parque Natural Sintra-Cascais e no Plano de Ordenamento da Orla Costeira, que são matérias que não estão dependentes da Câmara, são superiores à própria Câmara. Isso traz algumas limitações adicionais.

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Se for retirada a licença de utilização atual, de turismo, não se poderia conceder uma licença de utilização para outro fim sem revisão do Plano Diretor Municipal, é isso?

O grande problema está no facto de o que lá está construído na maior parte dos casos já não ser o que estava autorizado. Situações que se acumularam ao longo de décadas. É completamente impossível legalizar tudo o que não está legal.

Quais são as medidas possíveis?

Como já disse, é não deixar que as construções ilegais continuem e respeitar planos de ordenamento. E é aí que entram as discordâncias entre a Câmara e a sociedade que administra o Aldeamento Quinta da Marinha. Isto porque a pretensão desta sociedade é autonomizar cinco casas do aldeamento – casas que pertencem à sociedade – para venda. A Câmara tem também de ser atuante com o que foi feito para trás, daí não passarmos licenças de utilização enquanto habitação normal. Há lá coisas, alterações, completamente irracionais por parte dos proprietários e depois há outras irracionais da parte do Estado.

Falou em questões irracionais do Estado, a que se refere?

Com o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), artigo 17, quem comprou lotes de terreno com alvarás corretos, não pode ter licenças. Imagine, alguém compra duas moradias que lá estão e quer deitá-las abaixo para construir uma outra com menor espaço de construção e que vai ao encontro das preocupações de sustentabilidade: a Câmara está inibida de emitir licenças em sede de POOC. Isto é irracional.

Sobre os serviços que a Câmara presta e que o aldeamento cobra aos condóminos como se fosse o prestador. Isso é normal?

Esse é um problema particular, o facto de alguém estar a cobrar um serviço que não presta.

A administração tem mostrado disponibilidade para alterar o que está errado?

Com a Câmara o que há é um processo para que se fizesse a divisão de cada uma das tais cinco casas, em propriedade horizontal, e a Câmara não concordou e indeferiu essa pretensão. Trata-se de moradias turísticas de apoio ao hotel. Consideramos que a administração, com isto, estaria a desmembrar o próprio aldeamento turístico. Porque quando foram construídas eram para servir de alternativas aos quartos do hotel, para determinados clientes, e não para vender para habitação.

Há obras a decorrer no aldeamento. Estão a ser monitorizadas?

Em todas as que nós verificamos e que não estão legais atuamos. Inclusivamente, há um ano foi feita uma análise global com intervenção em muitas dessas circunstâncias. Nós sabemos o que está licenciado na Câmara e depois temos ortofotomapas de todos os anos, sendo fácil perceber quando foram feitas grandes alterações. Houve também muitos casos de pessoas que meteram a licença de construção e, como estava tudo dentro da lei, nós licenciámos. Porém, quando chegou ao fim esses proprietários não pediram licença de utilização. Isso significa que o que estava a ser taxado pelas finanças era a situação anterior. O que nós fizemos foi uma análise das licenças de construção emitidas que não tivessem dado origem a pedidos de licença de utilização.