Optou então ser ele próprio um delator – figura jurídica que incentiva à denúncia de práticas criminosas em troca de redução de pena – e, ainda em março, passou a gravar as conversas telefónicas que mantinha com a elite política. Áudios que foram divulgados esta semana pela Folha de São Paulo e deixam em mau estado a nova coligação formada pelo substituto de Dilma Rousseff – para além de ameaçarem a concretização do impeachment à Presidente suspensa.
A primeira divulgação, na segunda-feira, resultou na primeira baixa do novo Governo de Michel Temer, dias antes de este completar duas semanas de vida. Romero Jucá, número 2 do PMDB que acabara de assumir a pasta do Planeamento, foi forçado a sair de cena depois de ser exposto a defender que era «necessário trocar o Governo» para «acabar com a sangria» da Lava Jato.
‘Claro caráter golpista’
Ainda Temer não tinha deixado claro que Jucá teria de cair e já a suspensa Dilma Rousseff dizia que «mais do que nunca, está claro o caráter verdadeiramente golpista deste processo de impeachment». Lembrando que desde o início do processo denuncia «o desvio de poder que está na base» do julgamento à Presidente, Dilma defende que «se alguém ainda não tinha a certeza de que há um golpe», pode «eliminar qualquer dúvida» perante umas «declarações fortemente incriminadoras de Jucá sobre os reais objetivos do impeachment».
A escuta de Jucá mostra também o cálculo político feito pelos que votaram pela suspensão de Dilma. É o próprio que diz a Machado ter sido ele a convencer o PSDB, maior partido de oposição a Dilma, a aderir ao impeachment em que vez de esperar pela investigação do Tribunal Superior Eleitoral às contas da campanha de Dilma e Temer em 2014. O candidato do PSDB nas presidenciais de 2014, Aécio Neves, preferia que esse processo acabasse por derrubar o Governo, provocando automaticamente a realização de eleições antecipadas. Conta Jucá a Machado: «Eu disse a Aécio, se tiver outra eleição, nem Serra nem nenhum político tradicional ganha essa eleição. (…) Na hora dos debates vão perguntar: ‘Você vai fazer reforma da previdência?’ O que tu vai responder? Que vou! Tu acha que ganha eleição dizendo que vai reduzir aposentadoria das pessoas?».
Serra seria (novamente, depois das derrotas com Lula em 2002 e Dilma em 2010) o provável candidato do PSDB nessas eleições antecipadas. Mas o partido optou por se juntar ao PMDB na opção de derrubar Dilma devido às pedaladas fiscais – manobras de ocultação de défice – e Serra acabou por assumir a pasta dos Negócios Estrangeiros.
Foi nessa condição que viajou até à Argentina, onde foi recebido pelo Presidente Mauricio Macri.À porta, tinha manifestantes a chamá-lo de «golpista», pois no Brasil já havia novas escutas. Depois de Jucá foi o presidente doSenado, Renan Calheiros, também ele do PMDB, a ser apanhado a ‘conspirar’ com Sérgio Machado, desta feita sobre a forma como retirar à Justiça uma das principais armas que tem usado na Lava Jato – precisamente a delação premiada que o empresário tinha em vista ao gravar a conversa.
Diz Calheiros que «não pode haver delação premiada preso». Ou seja, que depois de ser apanhado no escândalo, o político ou empresário não se pode tornar delator. Caso contrário, «do Congresso, se sobrar cincou ou seis, é muito. Governador, nenhum», comentam os interlocutores sob a perspetiva de ver toda uma classe política atrás das grades.
Mas do que a informação divulgada, as gravações de Machado espalharam o pânico num Executivo que tem oito responsáveis sob investigação na Lava Jato (incluindo o Presidente). Sem saber, Jucá refletiu já esse pânico na conversa com Machado: «Delcídio é o mais perigoso do mundo. O acordo era para ele gravar a gente», comentou sobre a delação do ex-senador do PT, Delcídio do Amaral.