Salazar está entre nós

1.Existe a tendência de dizermos quase todos o mesmo. De dizermos o mesmo de maneiras diferentes – ‘mesmo’ quando defendemos argumentos contrários fazemo-lo partindo de paradigmas e visões próximas. Ouvimos um comentador e concluímos do humor geral.

Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo. Poucos são os que não criticam o Presidente por falar e estar todos os dias. As peças televisivas têm pequenas ironias, os comentários jornalísticos sublinham-no, as bancadas parlamentares amplificam a ‘escandalosa’ felicidade do professor.

Interiorizámos que um Presidente deve fechar-se entre paredes e fazer da opacidade a sua força política. No fundo, o país da opinião publicada defende uma imagem do poder que, paradoxalmente, criticou no tempo de Cavaco Silva. Por estranho que nos pareça (e assustador) continuamos a ser um fortemente salazarentos. E a confundir gravidade com credibilidade. Sempre assim foi, talvez sempre assim seja. Uma pena.

2.Seis meses de Governo. Há já quem aposte que durará uma legislatura. O jogo de xadrez favorece António Costa (continua a subir nas sondagens). Começa a ser uma partida perigosa para o Bloco de Esquerda, parece-me ter mais a perder do que o PCP com a ascensão socialista.

Veremos quais as próximas jogadas entre os dois partidos que ‘seguram’ o Governo no Parlamento – os comunistas sabem que Costa os prefere sozinhos para uma futura coligação ou acordo, o BE sabe que tem de provar ao país que Costa sem o BE seria mais um a defender a supremacia do mercado. Uma interessante guerra fria.

3.Maria Manuel Leitão Marques, depois de receber a ‘vaca/utopia’ das mãos do primeiro-ministro, apareceu ao lado de António Costa na fotografia de conjunto que assinalou os primeiros seis meses de governação.

A ministra da Presidência e da Modernização Administrativa tornou-se uma das estrelas do Executivo. Bem preparada, independente e criativa é um dos alicerces de credibilidade deste castelo em movimento a que Portas chamou geringonça.

4.Defendi que Catarina Martins acabaria por destruir o capital de credibilidade do Bloco de Esquerda. Uma destruição que influenciaria negativamente o seu número de votos – em quase vinte anos a escrever sobre política talvez tenha sido este o meu maior flop de análise. Estava muito longe da razão, a nova ordem bloquista não só não destruiu como acrescentou e bastante ao capital deixado por Francisco Louçã e Miguel Portas.

Voltei a lembrar-me esta semana do equívoco ao assistir a um programa da SIC em que a líder do BE foi ‘apanhada’. Ao ver um namorado agredir verbalmente a namorada num banco de jardim, não hesitou em parar. Disse o que tinha a dizer, foi firme e no que disse não existiram ambiguidades. A SIC assegurou que não houve qualquer encenação e que era impossível Catarina Martins saber que se tratava de uma encenação. Não há nenhuma razão para disso duvidar. Fiquei a gostar da porta-voz do Bloco de Esquerda. O que fez não é para todos.  

5.O Festival de Cannes privilegia a escolha de filmes ideológicos ou fortemente artísticos (no sentido de privilegiarem mais a procura do que o encontro de receitas). Sem surpresas, a Palma de Ouro foi conquistada por um agitador, o magnífico Ken Loach. Um filme sobre um carpinteiro que se vê destruído primeiro pelo desemprego e depois pela segurança social.

Chocante que, ao mesmo tempo, Cannes seja uma passadeira vermelha de vaidades. Um festival de hipocrisia. Porque aquilo que defende nos filmes que escolhe é aquilo que destrói numa miserável ostentação que soa a falso. Prefiro os Óscares.

losorio@stateofplay.pt