Nunca mais houve amnistias, as leis foram alteradas e os meios tecnológicos são hoje muito melhores e mais eficientes. Mas, paradoxalmente, o problema com os megaprocessos agravou-se. Como agora se comprova com o caso BPN. E não se vê ninguém preocupado com isso nem em tomar medidas. E devia. A começar pelo Conselho Superior da Magistratura, em que metade dos seus membros são nomeados pela Assembleia da República, ou seja, estão lá em representação do povo. E o país precisa, no mínimo, de uma explicação.
O BPN foi nacionalizado a 1 de novembro de 2008 e, no final desse mesmo mês, a Justiça prendeu o seu ex-presidente, Oliveira Costa. Um ano depois, o Ministério Público acusou-o e a mais uma dezena e meia de arguidos, nomeadamente outros antigos quadros do BPN, por crimes de burla e abuso de confiança. Começaram a ser julgados em dezembro de 2010 e o tribunal de julgamento sofreu várias vicissitudes: primeiro, não tinha sala para albergar um megajulgamento e o número excecional de volumes; depois, não tinha armários e a seguir era preciso imprimir um disco rígido com gigabytes de documentos; os três juízes ora estiveram em exclusivo ora em semi-exclusividade e, ultimamente, acumulam com o serviço normal; os arguidos foram sendo dispensados de comparecer (uma decisão incompreensível para o comum dos cidadãos, a menos que estivessem todos incapacitados fisicamente, o que não é o caso); o julgamento começou por realizar-se em três ou quatro dias por semana, depois foi reduzindo o ritmo; segundo o próprio Tribunal, os dias de julgamento já cumpridos foram cerca de 400.
Na passada quarta-feira, cinco anos e cinco meses depois do seu início, o julgamento entrou na reta final (expressão que dá vontade de rir, mas enfim…): ouvidas todas as 170 testemunhas e os arguidos, começaram as alegações do Ministério Público. Seguir-se-ão os advogados dos 15 arguidos e, se o ritmo continuar a ser de um por semana, não acabarão antes das férias judiciais. Dos arguidos, dispensados pelo Tribunal de comparecerem a essa suprema chatice que é ser julgado, apenas três é que se dignaram ir ouvir o procurador da República… Só depois se marcará a leitura da sentença, que, imagino, demore pelo menos um ano. E aí iniciar-se-á a fase de recursos para a Relação, Supremo e Tribunal Constitucional, levando todos os gigabytes atrás.
Oliveira Costa tem 80 anos e, como é público, tem problemas de saúde. Ao mesmo tempo, foi aumentando a contabilização do ‘buraco’ que o BPN e os crimes ali cometidos provocaram nas contas públicas: 2.000 milhões, 4.000 milhões, 6.000 milhões… Os juízes do tribunal terão todos as suas razões (gostava que fosse possível falarem) e não acredito que algum deles tenha especial gosto em andar há cinco anos a julgar um processo, mas é evidente que o que se está a passar não é normal. E devia servir para tirar lições para futuro.
Numa recente entrevista, Henriques Gaspar, presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho da Magistratura, afirmou que gostaria de “ver a expressão ‘celeridade’ expulsa do léxico da Justiça” e que “uma Justiça célere não é Justiça”, tem é de ser proferida num prazo razoável, que satisfaça os interesses das pessoas. É um homem ponderado, de elevada craveira intelectual e jurídica, percebe-se o sentido do que pretenderia de facto dizer e não acredito que tivesse em mente os megaprocessos, como o BPN. Mas só me ocorre uma palavra para qualificar uma Justiça que leva mais de cinco anos com um julgamento: inútil.