Os tempos em que o Andebol, independentemente da transmissão televisiva semanal em sinal aberto ou fechado, era uma romaria de gente aos pavilhões de todo o País, quer na fase regular, quer na fase final, terminou há alguns anos e pelo rumo que as coisas levam, não se auguram momentos de felicidade na modalidade. Neste momento, o Andebol nacional, vive uma situação de miserocracia de ideias, alicerçada na subsidiodependência do Estado, representado por pessoas sem capacidade de devolver à modalidade, o prestígio nacional e internacional que noutros tempos (em particular do meu querido amigo Luís Santos) granjeou. E perante a situação caricata que assistimos nos últimos dias, fácil é de perceber, porque razão, a modalidade está doente e muito distante dos seus tempos dourados.
Através de Nota de Imprensa de 31 de maio do presente ano, a Federação de Andebol de Portugal (doravante FAP) desmarcou o 5º (e último) jogo da final entre ABC Braga/S. L. Benfica, agendado para o dia 01 de Junho, pelas 21.00 horas no Pavilhão Flávio Sá Leite, em virtude do Clube minhoto não ter entregue ao Clube visitante 15% dos bilhetes aparentemente devidos nos termos regulamentares. Refira-se que o jogo estava com lotação esgotada e com transmissão televisiva (coisa rara nos últimos anos) assegurada.
Mais consta da referida Nota de Imprensa que, a FAP procede a nova marcação para o dia 04 de Junho, pelas 18.30 horas no Pavilhão Flávio Sá Leite, devendo até ao dia 02.06 p.p., pelas 12 .00 horas, ser assegurada a entrega de bilhetes ao clube adversário (SL Benfica), ou em alternativa, na sede da Federação. Acrescentando que, caso a obrigação regulamentar mencionada supra, não seja cumprida no prazo estipulado por parte do ABC Braga, a Federação desde já designou o mesmo dia 04 de Junho, pelas 21.00 horas, no Pavilhão das Travessas em São João da Madeira, para a realização do referido jogo, sendo neste caso o jogo integralmente organizado pela Federação, disponibilizando-se 85% dos bilhetes ao ABC Braga e 15% ao S. L. Benfica.
Ora, a estranheza e incompreensão do teor da Nota de Imprensa, levou-me a analisar a regulamentação desportiva em questão. Após análise da mesma, constata-se a manifesta evidência de ilegalidades que não podem passar em claro, perante o público em geral, e sobretudo, perante o Governo e a Administração Pública competente.
Com efeito, estabeleceu a FAP, no regulamento desportivo da prova PO1 (art. 5.º, n.º 5 do Regulamento Específico aprovado em Reunião de Direção de 06/05/2015, e que entrou em vigor em 01/07/2015,);a obrigação de distribuição de 15% dos bilhetes para o Clube adversário (mas este terá que efetuar o respetivo pedido de bilhetes ao Clube organizador, até cinco dias anteriores (prazo continuo) à data da realização do jogo, dando conhecimento do mesmo à Federação).
Conforme referido na Nota de Imprensa da FAP, o SL Benfica (por incúria ou não) apenas requereu no dia 28 de Maio de 2016 (ou seja, 4 dias antes do jogo) a requisição de 250 bilhetes para o jogo em causa.
Em resposta a tal solicitação, o ABC informou que “(…) os bilhetes público encontram-se já esgotados, comprados por empresas solidárias com esta posição do nosso Clube, estando a restante lotação consignada a associados e afins”.
Em primeiro lugar, realce-se que a proporção de 85% para 15% entre Clube visitado e Clube Visitante não é todo equitativa, nem pugna pelo equilíbrio do apoio dos sócios, adeptos ou apoiantes dos Clubes em questão. Sendo certo que, em muitas outras partidas do Campeonato Nacional de Andebol da presente época, a referida proporção foi totalmente ignorada por alguns Clubes, e sem que tal mereça comportamento semelhante por parte da FAP, relativamente a Sporting CP e FC Porto, entre muitos outros.
Mas foi na sequência desta, aparente e inócua divergência, que a referida Nota de Imprensa foi publicada e a Direção aparentemente deliberou. E assim, cumpre esclarecer o leitor.
O Regulamento Desportivo específico do Campeonato Nacional da 1ª Divisão de Andebol masculino da presente época, contém uma disposição (art. 14º) que anula todas as demais disposições regulamentares que contradigam aquela Regulamentação desportiva específica.
Assim, as normas constantes daquele Regulamento desportivo específico, têm um valor hierárquico superior, às normas dos restantes Regulamentos que eventualmente o contrariem, pelo que, será neste corpo normativo que as eventuais incidências ocorridas na competição, terão de ser solucionadas.
Contudo, por falta de arte do regulamentador, ou incapacidade para o efeito, a verdade é que o aludido Regulamento, não estabelece, por um lado, a possibilidade de alteração do jogo desde há muito agendado para o dia 1 de Junho, para o dia 4 do mesmo mês (ou outro), bem como, da designação de outro local que não seja a casa do ABC em Braga, ex vi o art. 3º nº2 al. c) do Regulamento Desportivo da PO01 que refere que as: “1/2 Final e Final serão disputadas à melhor de 5 jogos (no sistema, Casa, Fora, Casa, eventual 4.º jogo Fora, e eventual 5.º jogo em casa do melhor classificado na 1.ª Fase”.
Tendo em conta que, na 1ª fase do Campeonato, o ABC de Braga terminou em 2º lugar, e o SL Benfica em 4º, ainda mais difícil se torna compreender a legalidade da referida deliberação da Direção, ao arrepio do Regulamento Desportivo que elaborou e aprovou.
Assim, a referida deliberação da Direção da FAP registada na Nota de Imprensa de ontem, ao prever o agendamento do 5º e último jogo do Campeonato Nacional para o Pavilhão das Travessas em S. João da Madeira, pelas 21.00h, caso não seja cumprido no prazo estipulado a entrega dos bilhetes ao SL Benfica, constitui uma clara alteração da norma prevista no art. 3º nº2 al. c) do Regulamento Desportivo da PO01 ainda em vigor.
Como a FAP não deveria ignorar, dispõe o art. 34º nº 4 do Regime Jurídico das Federações Desportivas que: “A aprovação de alterações a qualquer regulamento federativo só pode produzir efeitos a partir do início da época desportiva seguinte, salvo quando decorrer de imposição legal, judicial ou administrativa”. Pelo que, a ilegalidade da referida deliberação é atroz e, sobretudo, atentadora do princípio da igualdade entre os Clubes em questão, sendo por consequência, suscetível de apuramento de responsabilidade civil (entre outras) à Direção da Federação.
Assim, a referida deliberação da Direção da FAP, para além de manifestamente ilegal, e de não respeitar o teor do Regulamento Desportivo específico que elaborou, modifica as regras da competição em vésperas da realização da final do campeonato, prejudicando todos intervenientes, mas em especial, todos aqueles que, como eu, amam a modalidade.
Veremos que consequências, serão apuradas desta caricata e vergonhosa situação, mas no fundo quem perde…é o maltratado Andebol Português.
Lisboa, 1 de Junho de 2016
Advogado na MGRA Soc. Advogados (lmc@mgra.pt) e Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa