Muitas são as pessoas que, por motivos vários, optam por viver uma existência em que não questionam o mundo que as rodeia, as motivações que as levam a agir de determinada maneira, os contextos em que as situações ocorrem, as justificações morais ou lógicas para as decisões que a todo o momento têm de ser tomadas.
Este apelo – “abre os olhos” –, inscrito numa parede como a da Rua do São Lourenço, é talvez mais do que um simples apelo, um simples pedido;, é quase uma ordem para que não nos deixemos enganar nem por nós nem pelos outros, para que saibamos verdadeiramente estar atentos e ver.
Muitas são as situações em que o mundo que nos rodeiaem que vivemos nos procura anestesiar-nos, seja pela política, seja pelos programas televisivos, seja pela publicidade, gerando em nós diversos tipos de reação – aceitação, repulsa, descrença ou crença, ou, como acrescenta Tolentino Mendonça na sua mais recente crónica no Expresso, indiferença ou consumo.
A política, os debates viciados, as orientações programáticas negociadas ou guiadas por interesses acabam frequentemente por não cumprir o seu propósito, que é o de servir o bem comum, o bem de todos, assegurando que a todos não falta, pelo menos, a dignidade básica. Igualmente, a televisão de má qualidade (sim, porque há a que tem qualidade), com os seus programas-lixo, a exploração das dificuldades da vida alheia ou, mesmo, o seu vazio, não impele ao pensamento, à questionação. De igual modo, a publicidade é divulgada em cartazes estrategicamente colocados nas paragens de autocarro ou estações de mMetro, para aproveitar os momentos deenquanto se espera; na televisão, enquanto aguardamos o recomeço de um programa a que assistíamos, ou no rádio enquanto guiamos para o trabalho e, nas filas de trânsito, quando quase nem ouvimos o que verdadeiramente é dito.
Trata-se de publicidade a produtos de que não precisamos e cuja existência desconhecíamos por completo, mas que se tornam imprescindíveis para que possamos beneficiar do privilégio de desfrutar de experiências únicas, por força de nos garantirem a felicidade das pessoas contratadas para serem felizes, exatamente porque aquele produto o exige (sejam alimentos congelados, altamente processados e sem qualquer valor nutritivo, sejam detergentes para a roupa com cheiros tão improváveis como o odor a manhã radiosa ou a fragrância a entardecer solarengosoalheiro , sejam objetos eletrónicos ou eletrodomésticos que prometem poupar-nos muito tempo mas que apenas usamos uma vez, de por tão complexa que éser a sua utilização). No entanto, em nós, após termos cedido a umao impulso consumista, não surtem o efeito prometido e acabam por nos deixar com uma sensação de insatisfação.
E esta sensação é quase inevitável, mesmo quando sabemos de antemão que assim será, por prevermos que o resultado de todas essas promessas políticas e publicitárias mais não é que mera projeção nossa, por sermos nós quema acreditar, de olhos fechados, acredita nas suas vantagens. Já dizia , ou, como tão poeticamente descreveu tão poeticamente Florbela Espanca:, “Trago no olhar visões extraordinárias / De coisas que abracei de olhos fechados…”
Muitos e muitos mais exemplos poderiam ser mencionados. Mas, apesar de, por vezes, termos consciência da armadilha em que caímos, deixamo-nos enredar por todas as teias que nos atraem e não raras são as vezes em que nos deixamos entorpecer pela analgia do futebol, pela distração das desgraças internas com as tragédias humanitárias, ou pela ditadura da moda.
No meio de tantos grilhões, abrir os olhos poderá mesmo ser a chave para a nossa libertação, pelo que as modas, essas, que esperem!
*Escrito em parceria com o blogue da “Letrário”