Há um ano, Pedro Duarte estava a viver uma nova fase da sua carreira. Depois de quase três anos como chefe de vendas do Grupo Pestana, foi-lhe proposto mudar-se para São Tomé e Príncipe para assumir a direção comercial naquele país – com direito a novo salário e com a perspetiva de que, no início do verão, a mulher viajasse para África.
Mas, no final de maio, foi encontrado sem vida no hotel onde trabalhava. E só nessa altura Susana Gonçalves descobriu que o Pestana Management não tinha atualizado a informação sobre as novas condições contratuais do marido. Começou aí a sua batalha judicial contra a multinacional portuguesa, que já a levou a lançar um alerta aos outros trabalhadores do grupo: «Levem os vossos contratos de trabalho a um advogado para serem devidamente analisados. Levem tudo!».
Recusa pagar valores exigidos
Desde fevereiro de 2015 que Pedro Duarte recebia de acordo com as novas funções: dos cerca de 1.500 euros líquidos que lhe eram pagos até essa altura, o diretor comercial passou a auferir pouco mais de 2.400 euros por mês.
As novas funções ficaram formalizadas através de uma «cedência ocasional» dos seus serviços, acordada entre o Pestana e a empresa Afrotours – uma participada do grupo, que gere os hotéis em S. Tomé. O contrato, válido por um ano e renovável por outros quatro, ficou fechado a 9 de janeiro de 2015 e foi assinado e rubricado pelas três partes.
Apesar de estabelecer que a cedência teria início «na data em que o colaborador [tivesse] o visto de trabalho» regularizado – o que viria a acontecer apenas em abril –, a verdade é que já em outubro de 2014 o administrador da Afrotours sugeria que PedroDuarte começasse a trabalhar logo no mês seguinte, dada a crise de ébola em alguns países africanos e a oportunidade que isso representava para a conquista de novos clientes.
A morte de Pedro Duarte foi considerada um acidente de trabalho. Por essa razão, a burocracia teve de passar pela Justiça.
Susana Gonçalves deu-se então conta de que, no acerto de contas com a empresa, os valores não batiam certo. Tendo em conta o salário que o marido passara a receber em fevereiro, os subsídios desse ano deveriam ser calculados pelo novo valor. Da mesma forma, o subsídio por morte teria de ter por base os 2.840 euros ilíquidos em vigor.
Foi, de resto, isso que o procurador da República José Jarnac de Freitas propôs às partes, nas sessões conciliatórias que terminaram a meio deste mês, sem acordo. Apesar da cedência de serviços à Afrotours, «manteve-se o vínculo contratual original com a tomadora do seguro, Pestana Management, sendo sobre a cedente entidade patronal e tomadora do seguro que recai a responsabilidade pela reparação dos acidentes de trabalho» – refere-se no auto da tentativa de conciliação que o grupo não quis assinar.
E essa responsabilidade recaiu sobre o grupo porque, quando aumentou a remuneração de Pedro Duarte, o Pestana Management não deu conta da atualização à seguradora. Por lei, podia até nem fazê-lo: «É um risco que algumas empresas correm», diz Henrique Levezinho, advogado de Susana Gonçalves. «Mas isso não cria nenhum vazio legal, cabe à empresa assumir o pagamento das indemnizações que não passou para a seguradora», refere.
Viagens de risco sem seguro
Os receios estendem-se aos seguros de viagem. Pedro Duarte deslocava-se com bastante frequência a outros países africanos e à Europa. No plano de viagens para 2015, o diretor comercial tinha previstas passagens pela Guiné, Nigéria, Gabão, Angola, Gana, Berlim, Madrid, entre outros. Mas essas viagens terão sido feitas sem que estivesse segurado – foi pelos menos essa a resposta do Grupo Pestana às questões colocados pelo advogado Henrique Levezinho.
Mas o administrador da Afrotours com quem Pedro Duarte acertou a ida para S. Tomé deu-lhe certezas de que o assunto estava tratado. De tal forma que o diretor comercial assegurou o mesmo a Susana Gonçalves e que ela própria era contemplada no seguro. «Em última análise, o Pedro foi burlado, porque não acredito que sem seguro ele tivesse ido para SãoTomé», diz o advogado.
Mas o Pestana Managementtem uma leitura diferente. Questionado sobre as razões que levaram o grupo a recusar o acordo em tribunal, fonte oficial disse aoSOL que, «no âmbito da intervenção (necessária nestes casos) do magistrado do Ministério Público, não foi possível a conciliação e, por via disso, o assunto será agora resolvido nas instâncias competentes».
Empresa garante que ‘honrará’ decisão do tribunal
Lamentando o falecimento de Pedro Duarte, o grupo garante ter adotado «todos os procedimentos junto da família e das diferentes entidades e instituições no sentido do cumprimento de todas as formalidades» e sublinha que se devem à «intervenção do Grupo Pestana as comparticipações já prestadas pelo seguro».
O Pestana Management não explica por que razão não foi possível chegar a acordo com Susana Gonçalves, nem por que decidiu não atualizar o seguro do ex-colaborador. Refere apenas estar «certo do entendimento que defende sobre a matéria» e garante que «honrará a decisão que venha a ser proferida pelo tribunal».