Benjamin Clementine: quantas vezes pode a voz de um homem arrebatar uma plateia?

Já se tinha percebido, na sequência das suas anteriores passagens por Portugal – como no Super Bock Super Rock e no Vodafone Mexefest – que o músico de apenas 27 anos tem uma legião de seguidores no nosso país. Mas caso restasse alguma dúvida, bastaram os primeiros acordes, solitários, num palco negro cortado por um…

“I Won't Complain" foi a primeira faixa a abrir conversa entre um tímido, mas provocador, Benjamin Clementine. Comentou como tinha estado um dia quente e como isso era bom pois estava cansado do tempo inglês. Por esta altura chamou o seu baterista ao palco para, juntos, se atirarem a “Condolence”, que lhe valeu a primeira ovação da noite, com declarações de amor gritadas da plateia, e devolvidas por Benjamin. “Love you too”. Por vezes é o que basta.

Já com o quinteto de cordas em palco, o vencedor do Mercury Prize prosseguiu viagem pelo seu EP “Cornerstone” e pelo álbum lançado em abril de 2015, “At Least For Now”, com passagens pelo cancioneiro de Jimmy Hendrix e Nick Drake.

Desculpou-se por não saber português – mas tentou, com ocasionais tentativas e uma boa dose de “obrigados”. Já no primeiro encore, aventurou-se numa versão muito livre de “Tive Razão”, de Seu Jorge. Despido, sem rede, longe da sua língua mãe, Benjamin Clementine mostrou aquilo de que é feito: emoção crua. As palavras são um mero veículo.

Com um Coliseu rendido e o músico igualmente rendido, desfez-se em agradecimentos, na boca de cena e na companhia de todos os músicos. Agarrou uma bandeira de Portugal e enrolou-a ao pescoço. Quando saiu do palco, e já uma boa parte do público saía da sala, os que ficaram foram suficientemente sonoros para convencer o músico a voltar – com a bandeira de Portugal em jeito de cachecol – e umas últimas notas musicais para destilar, que culminaram com uma sequência partilhada de “Adios”, entre Benjamin e o público. Terminou com mais um “obrigado” e saiu do palco, como se envolto em nevoeiro.

A verdade é que há qualquer coisa na música de Benjamin Clementine que não se explica – na música ou no próprio músico será provavelmente a dúvida. A sua voz cavernosa tanto nos embala como nos arrebata e perturba. São gritos de raiva e dor seguidos de lengalengas de aconchego e revelação. É um daqueles casos que nos recorda como a vida pode facilmente passar-nos toda ao lado. Cresceu em Inglaterra, no Norte de Londres, e aos 16 anos desistiu da escola depois de anos de bullying e uma série de negativas – a tudo menos a Literatura Inglesa. Aos 19 anos resolveu tentar a sua sorte em Paris, sozinho, e acabou a dormir nas ruas da cidade francesa enquanto durante o dia tocava no metro. Um dia foi descoberto pela pessoa certa. A vida deixou de lhe passar ao lado. Cada vez que canta, a sua voz recorda-nos a todos disso mesmo.