“I Won't Complain" foi a primeira faixa a abrir conversa entre um tímido, mas provocador, Benjamin Clementine. Comentou como tinha estado um dia quente e como isso era bom pois estava cansado do tempo inglês. Por esta altura chamou o seu baterista ao palco para, juntos, se atirarem a “Condolence”, que lhe valeu a primeira ovação da noite, com declarações de amor gritadas da plateia, e devolvidas por Benjamin. “Love you too”. Por vezes é o que basta.
Já com o quinteto de cordas em palco, o vencedor do Mercury Prize prosseguiu viagem pelo seu EP “Cornerstone” e pelo álbum lançado em abril de 2015, “At Least For Now”, com passagens pelo cancioneiro de Jimmy Hendrix e Nick Drake.
Desculpou-se por não saber português – mas tentou, com ocasionais tentativas e uma boa dose de “obrigados”. Já no primeiro encore, aventurou-se numa versão muito livre de “Tive Razão”, de Seu Jorge. Despido, sem rede, longe da sua língua mãe, Benjamin Clementine mostrou aquilo de que é feito: emoção crua. As palavras são um mero veículo.
Com um Coliseu rendido e o músico igualmente rendido, desfez-se em agradecimentos, na boca de cena e na companhia de todos os músicos. Agarrou uma bandeira de Portugal e enrolou-a ao pescoço. Quando saiu do palco, e já uma boa parte do público saía da sala, os que ficaram foram suficientemente sonoros para convencer o músico a voltar – com a bandeira de Portugal em jeito de cachecol – e umas últimas notas musicais para destilar, que culminaram com uma sequência partilhada de “Adios”, entre Benjamin e o público. Terminou com mais um “obrigado” e saiu do palco, como se envolto em nevoeiro.
A verdade é que há qualquer coisa na música de Benjamin Clementine que não se explica – na música ou no próprio músico será provavelmente a dúvida. A sua voz cavernosa tanto nos embala como nos arrebata e perturba. São gritos de raiva e dor seguidos de lengalengas de aconchego e revelação. É um daqueles casos que nos recorda como a vida pode facilmente passar-nos toda ao lado. Cresceu em Inglaterra, no Norte de Londres, e aos 16 anos desistiu da escola depois de anos de bullying e uma série de negativas – a tudo menos a Literatura Inglesa. Aos 19 anos resolveu tentar a sua sorte em Paris, sozinho, e acabou a dormir nas ruas da cidade francesa enquanto durante o dia tocava no metro. Um dia foi descoberto pela pessoa certa. A vida deixou de lhe passar ao lado. Cada vez que canta, a sua voz recorda-nos a todos disso mesmo.