Hillary Clinton só confirmou a nomeação como candidata presidencial há quatro dias mas, apesar da resistência de Bernie Sanders, os democratas iniciaram de imediato um processo de reconciliação interna que continua a ser adiado no campo rival – muito por culpa das sucessivas polémicas em que Donald Trump se envolve.
Anunciada como vencedora das primárias na segunda-feira – véspera de uma jornada eleitoral que tinha em jogo 694 delegados -, Hillary confirmou nas urnas o estatuto de primeira mulher da história a candidatar-se à Casa Branca por um dos grandes partidos norte-americanos.
Entre outras, a vitória no grande estado da Califórnia fez com que deixasse de depender de superdelegados, dirigentes eleitos pelo partido em todo o país que têm direito a votar na convenção de julho a par dos delegados eleitos no processo de primárias.
Apesar disso, o rival Bernie Sanders terminou a noite a prometer luta. “Vamos lutar para vencer a primária em Washington DC”, disse aos apoiantes, lembrando faltar ainda uma votação no seu partido, embora sem peso suficiente para alterar o resultado final. “E depois levaremos a nossa luta pela justiça social, económica, racial e ambiental para Filadélfia”, garantiu Sanders ao prometer não baixar os braços até à convenção do partido formalizar a candidatura de Hillary.
O clima interno só começaria a desanuviar na quinta-feira, depois de Barack Obama divulgar um vídeo de apoio a Hillary Clinton, minutos depois de terminar uma reunião na Casa Branca com Sanders. “Farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que Donald Trump não se tornará Presidente”, disse o senador à saída.
No vídeo, Obama elogia Sanders pela “incrível campanha”, que colocou no debate “assuntos como a desigualdade económica e a influência desmesurada do dinheiro na política” – “adotar esta mensagem vai levar-nos a vencer em novembro”, garantiu o Presidente ao eleitorado democrata. Mas a principal mensagem foi mesmo para Hillary: “Estou com ela”, disse Obama antes de considerar que “nunca houve alguém tão qualificado para este cargo”.
‘Espero que ele ainda mude’
No lado oposto, o contraste não podia ser maior. Mitch McConnell, líder do Partido Republicano no Senado e um dos poucos dirigentes nacionais que já formalizaram o apoio a Donald Trump, ameaçou esta semana retirá-lo devido à última polémica em que o candidato se envolveu – chamou “mexicano” a um juiz nascido no Indiana que analisa uma queixa contra a Trump University.
“Já deixei bem claro que penso que ele tem de mudar de direção e espero que ainda vá mudar”, disse antes de se escusar a “especular” sobre o que Trump “poderá dizer” que o leve a retirar o apoio. Falava depois de Mark Kirk, senador pelo Illinois, ter retirado o seu apelo ao voto em Trump – porque além da natural resistência ao polémico magnata, está em jogo também a reeleição de congressistas e senadores que dependem do voto latino para manterem os cargos.
Outra importante figura do partido, o líder da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, considerou as palavras de Trump sobre o juiz Gonzalo Curiel “a definição escrita de um comentário racista”. Questionado sobre se mantém o apoio ao vencedor das primárias do partido – algo que só anunciou depois de muita hesitação – Ryan escudou-se na alternativa: “Se eu penso que Hillary é a resposta? Não, não penso”. Sem evitar o desconforto ficou também Marco Rubio, ex-rival de Trump nas primárias, que já havia declarado o apoio ao vencedor. Também ele descendente de migrantes, Rubio viu-se forçado a dizer que mantém “tudo o que disse na campanha”, incluindo considerar um “perigo entregar os códigos nucleares do país a uma pessoa errática”. Mas também disse que, apesar de tudo, votará no magnata.
A distância do aparelho republicano face ao seu candidato é tal que ontem Mitt Romney reuniu 300 figuras do partido em Utah – tal como fez há quatro anos depois de vencer as primárias. Ana Navarro, uma das convidadas, deixou escapar que o grupo “pode ter muita influência na reconstrução do Partido Republicano pós-Trump. E essas conversas têm de ser iniciadas já”.