Os elogios fúnebres vieram, unânimes e reconhecidos, de todos os quadrantes. «Era uma verdadeira lenda e um herói», disse o atual campeão do mundo de boxe, Floyd Mayweather. «Manteve-se na luta com Martin Luther King e Nelson Mandela. Levantou-se quando era difícil. Falou quando os outros se calaram. E a sua vitória ajudou a que nos habituássemos à América que reconhecemos hoje», salientou Barack Obama. «O mundo perdeu um homem verdadeiramente grande», assinalou Paul McCartney.
Nascido a 17 de janeiro de 1942 em Louisville, nos Estados Unidos da América, e batizado com nome do pai e do avô, Cassius Marcellus Clay Jr. era descendente de uma família de escravos da zona sul do país. O pai era pintor de cartazes exteriores de publicidade e a mãe, Odessa O’Grady Clay, dona de casa. Clay tinha mais quatro irmãos e uma irmã.
O seu primeiro contacto com o boxe surgiu logo aos 12 anos, quando, depois de lhe terem roubado a bicicleta, a Polícia local o encontrou a bater no ladrão e o aconselhou a praticar boxe num ginásio. Ao longo dos 30 anos de carreira, venceria 56 dos 61 combates que efetuou.
Aos 18 anos, alcançou o primeiro grande sucesso internacional, ao conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, na categoria de pesos pesados. Facto curioso é que Cassius Clay, como então era conhecido, esteve quase a não embarcar no voo que o levou à cidade italiana por ter medo de andar de avião. A partir daí, a trajetória vitoriosa do atleta nunca mais parou.
Apesar deste feito, Clay contou numa sua autobiografia em 1975 que, de regresso à sua cidade natal, entrou num restaurante cheio de brancos e o empregado recusou servi-lo por ser negro, não adiantando de nada dizer quem era e o título de campeão olímpico que conquistara. Clay confessaria, neste mesmo texto, que por impulso de indignação atirou a medalha ao rio Ohio. O pugilista nunca se iria a esquecer deste episódio, que reforçou a sua convicção na luta pela igualdade racial.
Em outubro de 1960 enveredou pela carreira profissional e, em 1964, após uma série de 19 vitórias em 19 combates, venceu em Miami o então favorito e campeão desde 1962, Sonny Liston, conquistando, aos 22 anos, o título de campeão mundial em pesos pesados. Torna-se, assim, o mais novo pugilista a conquistar o título.
Autoproclamou-se ‘The Great- ness’ (O Maior), um dos primeiros sinais da inabalável confiança que tinha de si mesmo e que fazia tremer quem o enfrentava, dentro e fora dos ringues. Uma das suas frases mais citadas era exatamente: «Às vezes, eu tento ser modesto. Mas começam a faltar-me argumentos».
Durante o combate, Clay terá gritado com Liston dizendo-lhe: «Hoje alguém vai morrer neste ringue». No final, e com a vitória garantida, Clay olhou para o público incrédulo com a vitória e gritou: «Engulam as vossas palavras! Eu sou ‘O Maior’. A coisa mais bonita que já viveu». Foi um marco na carreira do pugilista: 25 de fevereiro de 1964.
É precisamente nesta altura que Clay altera o nome pela primeira vez, passando a chamar-se Cassius X, em honra do líder dos Black Muslims, Malcolm X, grande defensor dos direitos dos negros nos Estados Unidos. A relação entre os dois, classificada como de ‘irmãos de sangue’ num livro recente, ter-se-á iniciado quando se conhecerem, em junho de 1962. Malcom X passaria a ser o conselheiro espiritual de Clay, até ser assassinado em 1965.
Um mês após o triunfo sobre Liston, Cassius Clay converteu-se ao islamismo mudando o nome definitivamente para Muham- mad Ali, pelo qual viria a ser conhecido até aos últimos dias.
A sua irreverência e total firmeza nos ideais que defendia levou a que recusasse ir combater na guerra do Vietname em 1967, alegando ser objetor de consciência. Terá dito na altura: «Nenhum vietcongue me chamou de crioulo, porque é que eu lutaria contra ele?». Foi preso, retiraram-lhe o título mundial (mais tarde, recuperado) e foi proibido de combater durante três anos e meio.
Apesar da controvérsia gerada na sociedade norte-americana pela sua recusa em combater pelos EUA, Ali era considerado por muitos um pilar na luta pelas causas dos negros, que exigiam direitos iguais. Só voltaria aos ringues em outubro de 1970, num combate frente ao adversário branco Jerry Quarry, que venceu num rápido KO.
Em março de 1971, sofreu uma pesada derrota frente ao então detentor do título de campeão mundial, Joe Frazier, num combate realizado em Nova Iorque e apelidado de ‘combate do século’. No entanto, três anos depois, e sem ninguém estar à espera, Muhammad Ali volta a tornar-se campeão do mundo num combate histórico realizado no Zaire (atual República Democrática do Congo), frente a George Foreman.
«O impossível é apenas uma grande palavra usada por gente fraca, que prefere viver no mundo como ele está, em vez de usar o poder que tem para mudá-lo, melhorá-lo. Impossível não é um facto. É uma opinião. Impossível não é uma declaração. É um desafio. Impossível é hipotético. Impossível é temporário. O impossível não existe», disse na altura. Foi justamente com essa persistência e fé, que tão bem o caracterizavam, que no dia 8 de março, apesar da visível inferioridade física face ao adversário, Muhammed Ali se tornou campeão mundial pela segunda vez.
Mais tarde, em 1978, perderia o título para Leon Spinks, mas reconquistá-lo-ia de seguida, batendo Spinks e somando o seu terceiro campeonato mundial. Retirou-se dos ringues três anos depois, após ser derrotado por Trevor Berbick. Terá afirmado na ocasião: «Não quero vir a ser um desses lutadores velhos, de nariz achatado, dizendo gugu-dadá antes de uma luta».
Em 1984, aos 42 anos, Muhammad Ali seria confrontado com aquela que viria a ser a maior e mais dolorosa batalha da sua vida: foi-lhe diagnosticada a doença de Parkinson. Este problema do foro neurológico e que provoca tremores e diminuição da força muscular foi bastante visível na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, quando o atleta acendeu a tocha olímpica com alguma dificuldade e recebeu o aplauso unânime e emocionado de todos.
Ao longo da sua vida, Muhammad Ali foi eleito atleta do século pela revista Sports Illustrated e personalidade desportiva do século pela BBC.
Nunca deixando de participar ativamente na luta por diversas causas sociais, Muhammad Ali negociou com Saddam Hussein a libertação de 14 reféns americanos no Iraque, em 1990. Foi também nomeado Mensageiro da Paz pela ONU e condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior honra civil norte-americana.
Ao fim de 32 anos de luta contra a doença de Parkinson, ‘O Maior’ foi derrotado, deixando na memória global uma vasta carreira de sucessos, sendo reconhecido como a maior lenda do boxe mundial.