Os Car Seat Headrest encaixam em cheio neste palco, o teto traz proximidade, o som, este rock-indie-não-importa-o-estilo, não dispersa, fica connosco. "Fill in the Blank", à boleia da voz, imponente e tão sua, prova que Will Toledo não é só um compositor, é um rapaz com talentos vários e aqueles óculos de massa a escorregar na ponta do nariz ficam-lhe a matar.
O ar de nerd com que nos canta que não temos o direito de estar deprimidos é, à partida, um contra-senso, a sua música tem depressão aos pacotes. E se estamos felizes por vê-lo também queremos sentir esta dor. Pode ser? Sobretudo quando nos atira para o chão, aliás anuncia "let's slow down", e com "Drunk Drivers/ Killer Whales" dá ao Pitchfork um dos momentos mais íntimos, tristes e por isso mesmo também mais intensos do NOS Primavera Sound, a plateia canta isto como se tivessem 20 anos de carreira. E por certo não é caso para matar baleias, elas também cantariam neste oceano de nostalgia.
"Vincent", tema incrível deste fresquinho e incrível "Teens of Denial", disco que pelos vistos tem andado em repeat em muitas casas. Para quem andou uma vida sozinho, sem amigos nem confidentes, Will Toledo mostra estar na seu olimpo, a contar a gente que quer ouvir o que andou para aqui chegar. Pede por "Something Soon" mas pode descansar, está aqui uma multidão para o amparar. No final grita-se por encore ao ponto de ninguém se lembrar que os Air estão a começar. E a malta tarda a ir embora.
Mas lá se vai, porque quem espera morre e os Car Seat Headrest, pelo menos este ano, já não voltam. Os franceses entram como são, em downtempo, eletrónica ambiental que prende a colina do Palco NOS, o relógio parou, estamos todos em pés de lã, suspensos nestes beats mornos.
O que nem sempre significa que estamos a adorar, somos uma presa bem diferente do que fomos em Linda Martini. Ao ponto de ao nosso lado dizerem: "Epá, eu não marquei consulta", sugerindo que Air é terapêutico mas nem sempre estamos numa de ir ao médico. Aproximamo-nos das colunas a ponto de tentar entender se estamos num aquário, isto pede muito mais volume. Ouvem-se as conversas do lado, claro, as pessoas deixam-se ficar, aproveitam para conversar.
Voltamos no Palco às dez para a uma e Ty Segall and the Muggers estão em palco a fazer o soundcheck para a multidão que se aproxima. Faltam dez minutos e isto é uma espécie de treino da seleção em tempo de europeu. Em palco degustam deste menu inesperado, recuam e recolhem-se a três minutos da hora marcada. Ty Segall veste fato preto de corpo inteiro, um mecânico insano. Choros de bebé fazem arrancar um concerto que enche o Palco, e em hora de Moderat.
Se esta gente toda aqui está é porque sabe que isto é rock a sério, se der para partir os instrumentos melhor, Segall não abdica do seu estilo expansivo, berra, pontapeia o ar, ele que às tantas diz que hoje teve um mau dia, a ausência do pequeno-almoço tem poderes destes, todos sabemos que é a refeição mais importante do dia. Que não nos leve a mal, mas se um contratempo deste género o fizer rockar venha de lá esse jejum. Tudo isto para chegar a "Breakfast Eggs", tema de "Emotional Mugger", editado em 2016.
Estes the Muggers são das melhores companhias que este louco já teve, de tal modo que Ty Segall desta vez nem trouxe guitarra, é uma pena mas não é que se sinta a sua falta. "Feel" só agita mais este batido nervoso do palco mais distinto deste festival. Cuidado com a passadeira, fomos todos atropelados, a ir para algum lado a seguir é para ir com cautela. E a dois temas do fim Ty Segall não pratica o rock também para os seguranças, recriminando a forma bruta com que estão a tratar os fanáticos das primeiras filas, "be nice to people". Chave de ouro para estes três dias é a despedida de Ty Segall, "Mr. Jojo Rising" e "L.A. Woman" dos mitológicos Doors, porque os melhores são sempre para recordar.
No caminho para a saída urge um som que talvez nunca tenha estado tão alto no Palco NOS, vem de Moderat, mas enfim, não se pode ir a todas.