1.A questão é simples: Paulo Portas beneficiou ou não a Mota-Engil durante os seus anos de governo? Se não beneficiou (e tudo leva a crer que não o fez) não há discussão possível. Fez bem em aceitar o convite. Porque uma das grandes perversidades do nosso tempo é a forma implacável como os políticos são vistos – lançar temas políticos numa rede social é suficiente para que as pessoas percam as estribeiras e libertem o pior de si. Não há nenhuma dúvida de que os políticos fizeram muito por isso, mas o assunto Portas deveria ser um tema de princípio – um cidadão depois de desempenhar um cargo político não pode aceitar um trabalho numa empresa privada? Está imediatamente condenado ao ostracismo? Se for assim, acudam-nos pois isto vai piorar.
2.Portas na Mota-Engil não tem qualquer semelhança com as situações dos ex-ministros das Finanças de Passos Coelho. Vítor Gaspar aceitou o convite para trabalhar no FMI, um dos credores de Portugal com quem negociara os termos do crédito. E Maria Luís Albuquerque foi contratada pela Arrow, empresa anglo-saxónica especializada em fazer negócio com a miséria alheia. Compram créditos e dívida mais barata para depois revender e ganhar dinheiro com isso.
3.Uma ofensiva diplomática portuguesa tenta evitar as sanções europeias. Marcelo esteve na Alemanha e falou ao coração de Merkel; o Parlamento aprovou dois documentos que condenam eventuais castigos a Portugal (assinados por todos os deputados nas condições que se conhecem) e Mário Centeno esteve em Nova Iorque a atrair investimento e a tranquilizar o mercado. Afirmou que Portugal vive sem ameaças da extrema-esquerda ou de direita, é um país tranquilo, com um poder estável e não radical. Entende-se o discurso, mas este equilibrismo constante, este exercício de má consciência, de conversas que mudam em função do lugar onde se está raramente acaba bem.
4.Li as previsões da Goldman-Sachs acerca das possibilidades de Portugal no Euro de futebol. Os senhores acreditam, pela lei das probabilidades, que acabaremos eliminados pela Inglaterra nos quartos-de-final. Extraordinário mundo este. Os mesmos tipos que condenam países ao lixo condicionando ou destruindo o seu futuro, entretêm-se, noutro segmento da sua atividade, a prever resultados de jogos de futebol. É isto, não é? Há roletas de casino bem mais sérias.
5.É verdade que António Costa sente que existe um preconceito ideológico. Sente e existe mesmo. Uma economia de mercado está alicerçada numa ideia de consenso musculado, qualquer conquista do poder por forças que, na sua génese, tentam destruir esses alicerces não pode ter caminho para caminhar – uma questão de sobrevivência.
É um combate desigual e complexo. Tsipras substituiu a revolução pelo poder, não o fez com más intenções, fê-lo por patriotismo (sabemos bem como tudo acabará). António Costa gere como pode as ameaças concretas de Bruxelas (injustas) e as previsões da OCDE, FMI, Banco Mundial, Comissão Europeia e do Banco de Portugal. Carlos Costa não lhe facilitará a vida e este último relatório prova-o. Projeções de evolução do PIB cortadas, crescimento travado – é matar ou morrer. O governador só sairá pelo seu pé do palácio se Salgueiro Maia aparecer outra vez numa chaimite.
6.Entre os cinco países mais pacíficos do mundo estão Portugal, Islândia e Áustria. Se excetuarmos a Hungria, é precisamente o grupo que nos calhou no Euro. O estudo é da Global Peace Index, relatório internacional que incluiu ainda a Nova Zelândia e a Dinamarca. Não sei se Bruno Alves se encarregará de provar que os portugueses não são bem assim, o que sei é que um partido fascista quase ganhou na Áustria. Aparentemente incompreensível. Um país pacífico, sem convulsões sociais, quase ofereceu o poder a um fascista. Haverá povos ‘geneticamente’ propensos ao fascismo?