É nesta cidade do Leste da França, na região de Auverne-Rhône-Alpes, a pouco mais de 50km de distância de Lyon e no eixo da rodovia para transportes pesados que leva a Toulouse e, em seguida, a Bayonne e à fronteira basca com Espanha, que Portugal dará o seu pontapé de saída na XV edição do Campeonato da Europa, conhecido anteriormente por Taça da Europa das Nações, sétima presença lusitana numa fase final da competição. Cidade negra para os portugueses, como veremos, vistam eles as cores que vestirem.
Comecemos por Geoffroy Guichard, fundador das lojas Casino, um dos pólos comerciais de Saint-Étienne e dono da propriedade que levava o nome de Estevaliére, precisamente onde se ergueu, a partir de 1931, o Estádio Geoffroy Guichard, como está bem de ver, local onde atua desde sempre a Association Sportive Saint-Éttiene, clube represententativo «du coin lá bas».
Com capacidade para 42.000 espetadores, construído à boa maneira inglesa, com quatro bancadas e aberto nos cantos, vai receber na próxima terça-feira, dia 14 de junho, o Portugal-Islândia do nosso contentamento ou do nosso descontentamento, tal como o Verão de Ricardo III, o tal que trocava o reino por um cavalo.
Cavalo negro: é assim que os ingleses definem aqueles equídeos que nos dérbis correm por fora, preparados para surpreender os favoritos.
Cavalo Negro é uma designação que calha bem a Portugal neste Campeonato da Europa. E cidade negra também, se quisermos dar uma alcunha a Saint-Étienne. Cidade negra para as equipas portuguesas que já aqui jogaram, embora mais negra para uma do que para o outra. Eu explico, eu explico!
Uma equipa envelhecida
No dia 30 de Novembro de 1967, o Benfica defrontou o Saint-Étienne nos oitavos-de-final da Taça dos Campeões Europeus. 2-0 na primeira mão, em Lisboa, dava conforto para a viagem de resposta, mas os «stephanois» – nome porque são conhecidos os habitantes locais, em razão de um dos primeiros nomes da cidade, Sant Stephan, fundada por refugiados húngaros no ano de 930 – não estiveram pelos ajustes e infernizaram a vida aos encarnados.
O Caldeirão encheu. É com orgulho que o Estádio de Geoffroy Guichard tem a alcunha de Chaudron! Logo aos 9 minutos, Bereta fez o 1-0 e levou os verdes ao rubro.
Uma falha de Humberto Coelho comprometia José Henrique e o Benfica ficava encostado às cordas. Aí soube ser Mohammad Ali contra Foreman, em Kinshasa, 1974: aguentando golpe atrás de golpe até ao desfalecimento físico e psicológico do adversário.
Mekloufi, Carnus, Bereta, Patrick Revelli e Jacquet eram as grandes figuras do Saint-Éttiene. Bereta chegou a ser campeão de França por seis vezes usando a camisola dos fundadores do clube, os empregados da cadeia de armazéns Casino.
«Allez les verts!», gritava-se nas bancadas.
De nada serviu. O Benfica aguenta o resultado até ao fim e sai com a eliminatória resolvida. Os golos de Eusébio e José Augusto, no Estádio da Luz, mantiveram vivo o campeão de Portugal.
Mas, num assomo final de sincero incómodo, Roland Thiéry, comentador televisivo, fechou assim o seu trabalho: «A equipa que ganhou duas vezes a Taça dos Campeões morreu e está bem morta. Nada mais resta do que uma formação envelhecida que se defende praticando anti-jogo».
O terrível ambiente do Caldeirão verde!
Em 1974-75, na primeira eliminatória da Taça dos Campeões Europeus, foi a vez do Sporting defrontar o Saint-Étienne. «Sair daquela cidade francesa com uma derrota é perfeitamente normal, tão terrível é o ambiente que se vive no estádio», comentava-se na imprensa portuguesa.
Dia 18 de setembro de 1974. Primeira ‘mão’. Vítor Damas é a figura maior de um Sporting menor. O leão não ruge, mia. Não sou eu que o digo. São os enviados especiais à época. Quinze minutos agradáveis, logo a começar e, em seguida, a queda no abismo verde. Duplamente verde.
Uma finta falhada de Carlos Alhinho à entrada da grande área permite a Patrick Revelli oferecer o 1-0 a Hervé Revelli. Encontro de irmãos.
Dé, Yazalde e Dinis são impotentes perante a dura defesa dos verdes do Ródano. O Caldeirão ferve e o Sporting começa a ser cozido em lume brando. O público vive um entusiasmo sem limites.
Bereta faz o 2-0, de penálti no início do segundo tempo, graças a uma falta cometida por Wagner sobre o mesmo Bereta.
A raiva francesa acalmou mas continuou a pairar sobre o jogo, tolhendo os movimentos de um adversário timorato. Na segunda ‘mão’, em Alvalade, a diferença de golos revelou-se inultrapassável. Hervé Revelli marcou cedo e Yazalde respondeu pouco depois (1-1). Os verdes do Geoffroy Guichard superaram-se e atingiram as meias-finais.
Mais uma vez, Saint-Étienne era negra para os portugueses, vestissem eles de verde ou de vermelho. Será agora mais branda quando vestem de vermelho e verde? Dia 14 logo se vê.