Marcelo é o Papa Francisco português

Se o Brexit ganhar, a incerteza será a única coisa que poderemos dar como certa – uma espécie de novo Dia D, um susto

1. Marcelo disfarça pouco que uma das suas prioridades passa pelo afastamento de Passos Coelho. Será uma questão de tempo, pouco a fazer. Todos o sabem, poucos ainda o reconhecem. Entre os fiéis do ex-primeiro-ministro, a política acompanha a vida, quantas vezes acreditamos apenas no que desejamos acreditar? Mas começa a ser uma fezada, mesmo entre os mais leais começa a existir a ideia de que talvez o melhor seja porem-se a salvo, a pura e dura lei da sobrevivência.

2. O Presidente da República elogiou na semana passada Luís Montenegro, prognosticou-lhe futuros sucessos e marcou o campo de batalha – a bola está agora no parlamentar que não poderá perder a oportunidade.

Montenegro sabe que se hesitar outro avançará com o beneplácito de Marcelo. Veremos como agirá perante o homem que terá de derrubar, o homem de quem é aliado. É também na habilidade com que se fazem pulhices que se definem os bons políticos.

Por outro lado, Paulo Rangel escreveu um artigo de opinião contra a decisão do Presidente de promulgar as 35 horas. Nenhuma novidade e os seus argumentos foram bem estruturados. Mas o ponto não é esse. Rangel, para escrever dois parágrafos de crítica, gastou quase uma página a elogiar Marcelo. Um texto adjetivado por quem detesta utilizar adjetivos.

Mais claro do que isto não podia ser: no PSD, os cavaleiros que desejam o trono procuram ser os escolhidos pelo Papa Francisco português.

3. Esta quinta-feira, saberemos se a Grã-Bretanha abandonará a UE. Se o Brexit ganhar, a incerteza será a única coisa que poderemos dar como certa – uma espécie de novo Dia D, um susto.

Perturbante a morte de uma deputada trabalhista assassinada por um lunático de extrema-direita. Um bárbaro homicídio por mais um louco sem hospício que, para vários analistas, poderá virar o referendo em favor da continuidade da Inglaterra na União. Espero que sim.

No entanto, é assustadora a maneira como somos influenciados mais por fatores afetivamente voláteis do que por uma convicção política. Se a morte de Jo Cox significar a continuidade de uma ideia europeia, a sua vida não terá sido em vão. Mas se for provado que o assassinato alterou a maneira como as pessoas votaram, estaremos à mercê de que nos possa acontecer o mesmo ao contrário.

A indignação, como escrevo tantas vezes, é sempre um espasmo de inteligência. E é graças a um longo e agoniante espasmo coletivo que Trump poderá sentar-se na sala oval. 

4.  A comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos é necessária. Mas se for levada até ao fim pode chamuscar o regime.

Nos últimos trinta anos, o poder político (todo ele) aproveitou o principal banco do Estado para dele tirar proveito. Nesse aspeto, e como mero exemplo, a derrocada do BCP de Jardim Gonçalves, promovida por Ricardo Salgado e apoiada por José Sócrates, teve o auxílio da administração da Caixa e do governador do Banco de Portugal. A mudança do corpo acionista do BCP foi promovida com dinheiro de crédito dado por bancos concorrentes e pela CGD. Muitos milhões foram creditados a investidores que não tinham como pagar se as coisas corressem mal. As coisas correram muito mal. E o país ficou a arder em nome de um bacoco e pornográfico apetite de poder.

Uma gestão danosa que, somada a outros exemplos, fará da próxima comissão de inquérito uma ‘caça às bruxas’.

Que apenas interessará ao BE (mais ainda do que ao PCP). Alavancados por uma muito boa participação nas últimas comissões parlamentares, vão fazer o que tiver de ser feito para provar que os partidos de poder são sujos e que uma rutura é o único caminho possível.   

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