É raro o dia em que Ricardo Roxo não recebe uma carta no correio ou um e-mail incentivando-o a votar. Mas o português, enfermeiro, há oito meses em Inglaterra, está impedido de participar num referendo em que se vai decidir o futuro do Reino Unido na União Europeia. E também o seu. Como, aliás, o de milhares de portugueses no país que sentem as suas vidas estão em suspenso até à próxima quinta-feira. Entre as muitas dúvidas e receios das consequências de um ‘sim’ à saída da UE, os emigrantes antecipam planos B, à espera de um dia em que também eles possam deixar de ser desejados na ilha.
Ricardo começou a trabalhar num hospital do sul de Londres em outubro. A mulher e o filho, com sete anos, seguiram o mesmo caminho em fevereiro. E voltar a casa foi sempre uma hipótese fora dos planos da família. “Quando viemos, foi com a ideia de que ficaríamos sempre por cá ou que sairíamos para um país com melhores condições, nunca para Portugal”.
Presos entre a partida e uma maior integração
Até há uma semana, o enfermeiro estava tranquilo, convicto de que a permanência na União estava assegurada. “Mas, numa semana, as coisas mudaram muito”. Apesar de garantir que está “descontraído” em relação ao resultado de dia 23, não esconde que o preocupa a situação profissional da mulher. Atualmente sem trabalho e sem formação superior, Ricardo teme que a médio prazo possa ser mais difícil para a auxiliar de ação médica encontrar ocupação em território britânico. A Austrália ou mesmo o Dubai são destinos que começa a encarar como alternativas viáveis, caso deixem de ter um lugar em Inglaterra.
Mas o caso de Ricardo é um entre milhares de portugueses que decidiram deixar a crise em Portugal e abraçaram novas oportunidades no Reino Unido – o país que, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), se transformou no “principal destino da emigração portuguesa nos últimos três anos”.
Entre 2010 e 2014, voaram para norte 112 mil portugueses, num fluxo que cresceu de ano para ano. De tal forma que, atualmente, a presença de cidadãos nacionais em território britânico é estimada em cerca de 500 mil pessoas nas análises mais alargadas.
As últimas semanas têm sido, para muitos, um momento de suspense. Paula que o diga. Partiu para Londres há nove anos, muito antes da última vaga de emigração. Na altura, ia apenas para tirar um mestrado, mas uma oportunidade de emprego acabou por fazer com que a professora de Física ficasse em terras de Sua Majestade.
Paula queria votar no dia 23. “Há muita gente interessada em participar, muitos emigrantes com quem falo dizem que gostariam de poder votar”. Mas não podem. Não no referendo. Caso contrário, está convencida de que a permanência na UE estaria garantida. “Há muita gente com medo. Medo de que nos digam de um momento para o outro que estamos aqui em situação ilegal e que temos de sair de cá, ou que mudem as regras e que passem a pagar salários diferentes a trabalhadores com as mesmas funções”, diz a professora.
Paula tem a vida numa espécie de limbo. Por um lado, nos últimos meses foi acumulando dúvidas para as quais não encontra esclarecimento: “Os responsáveis políticos estão todos muito calados em relação às consequências do referendo, há muita contrainformação”.
Por telefone, e-mail ou até através das redes sociais, os pedidos de informação têm chegado em grandes quantidades aos serviços consulares portugueses em Inglaterra. O MNE refere ao SOL que tem avançado algumas informações “sobre os cenários do ‘Brexit’”, mas sempre com a ressalva de que é preciso primeiro “aguardar o resultado da consulta ao povo britânico”.
Acelerar a naturalização
Enquanto isso não acontece, Paula tomou uma decisão: “Já tinha pensado em pedir a nacionalidade inglesa, mas esta situação fez-me avançar mais depressa com o processo. E não sou só eu”, garante. Por outro lado, um regresso a Portugal é uma solução segura. Para já, a professora fica “à espera para ver” o que aí vem.
Paula Almeida defende a permanência. Ricardo Roxo, o enfermeiro português, também. Mas Ana Periquito não. Quando, há quatro anos, foi para Inglaterra, a ideia era voltar passado algum tempo. A cumprirem-se os planos originais, estaria quase a regressar. Mas pelo caminho nasceram dois filhos e “a vida mudou”. Agora, admite que tudo se inclina para a continuação Ipswich, a cerca de uma hora de Londres. Pelo menos para já.
Mesmo ali, a mais de 130 quilómetros da capital, Ana cruza-se diariamente com muitos outros migrantes europeus: Roménia e Polónia são as nacionalidades mais frequentes. Em relação a esses, que, como ela, já estão no país há alguns anos, “não deverá haver problemas” com a saída da UE – uma solução que também defende. A questão, diz, estará nos emigrantes que ainda poderão tentar chegar a Inglaterra. E é a pensar nesses casos que defende mesmo um maior “controlo de fronteiras”.
Perante a falta de informação sobre os passos que se seguirão ao referendo, e no caso de a saída sair com maior votação, o MNE aconselha os portugueses a requererem o Cartão de Residente Permanente, que lhes permite ficar no país sem limites temporais. Isto para os que não pensam regressar.