Brexit: Os pontos quentes da discussão

A campanha que antecedeu o referendo desta quinta-feira foi marcada pelos exageros de parte a parte. Seja sobre os efeitos económicos, na capacidade de evitar a chiada de novos migrantes ou sobre o parlamento que faz mais leis – se o de Londres se o de Bruxelas. 

Conheça os pontos mais discutidos e os argumentos mais fortes de cada um dos lados.

ECONOMIA…

… Para quem quer ficar

É, desde o início, a principal arma de arremesso nos dois lados da discussão. Além dos muito criticados estudos divulgados pelo próprio ministério das Finanças – que alertam para a perda de mais de 500 mil postos de trabalho, uma desvalorização de pelo menos 12% da libra esterlina e para um PIB a crescer menos 6% do que o previsto – os defensores da permanência na UE não se cansam de alertar para o “choque” que representará uma saída.”Está em causa o futuro económico do país” dizia ontem o ministro das Finanças, George Osborne, ao alertar para a possibilidade de se ver forçado a aprovar um orçamento retificativo para “lidar com o buraco” criado por uma potencial vitória do Brexit. Mais impostos e mais cortes no Sistema Nacional de Saúde, avisou o ministro para nova revolta no interior do seu partido: 57 deputados tories garantiram de imediato que chumbarão o documento. 

… Para quem quer sair

Se os europeístas apresentam estudos chancelados pelo governo – e contam com o apoio de instituições internacionais como o FMI – os defensores do Brexit respondem com as suas próprias previsões, encomendadas a quem partilha das suas ideias. É o caso de Patrick Minford, um professor da Universidade de Cardiff, País de Gales, que mostra como a economia pode ser 4% mais robusta num espaço de 10 anos se os britânicos poderem viver com as suas próprias leis laborais. A isto junta-se a eterna promessa aos empresários britânicos de um mundo perfeito assim que forem eliminadas as intermináveis regulações europeias – fenómeno que Boris Johnson, um dos mais mediáticos defensores da saída, disse custar 600 mil libras por semana quando deu o célebre exemplo das “quatro diretivas sobre bananas” aprovadas em Bruxelas.

MIGRAÇÃO…

… Para os europeístas

Pela mão-de-obra barata ou qualificada – conforme as necessidades – que deixou à disposição das empresas britânicas, a livre circulação de pessoas e bens beneficiou a economia britânica desde o primeiro momento, garantem os defensores da ligação a Bruxelas. Ainda assim, o governo de David Cameron reconhece os desafios causados pela ininterrupta chegada de novos migrantes, como se viu em dois dos pontos mais mediáticos do acordo alcançado em Bruxelas. Os abonos de família serão agora calculados através do custo de vida nos países de origem e não no britânico – o que poderá reduzir significativamente a fatura do Estado, já que grande parte dos três milhões de europeus no Reino Unido têm origem nas frágeis economias do Leste. Além disso o país garantiu também a criação de um mecanismo chamado ‘travão de emergência’, que permitirá a Londres limitar a entrada de novos estrangeiros durante um período máximo de quatro anos.

… Para eurocéticos

O Estado social britânico está cada vez mais insustentável e em boa parte isso deve-se à entrada de cerca de 300 mil novos migrantes no Reino Unido todos os anos. É esta a principal ideia vendida pelos que defendem o regresso ao isolacionismo britânico, que não se cansam de lembrar a existência de três milhões de cidadãos comunitários no país – e o facto de se estimar que um terço deles beneficiam dos apoios sociais do Estado britânico sem nunca terem trabalhado no país. E perante um fenómeno que diz roubar emprego e provocar redução de salários, os ‘brexiters’ prometem fechar e controlar as fronteiras, algo que o país não pode fazer na UE mesmo estando já excluído do espaço Schengen. Outro dos argumentos mais repetidos neste debate é a atual crise de refugiados e a imposição de quotas de asilo defendida por Bruxelas, medida a que o governo de Cameron também se excluiu desde a primeira hora.

SOBERANIA…

… sob o olhar do Bremain

É um dos números mais debatidos de toda a campanha. Segundo os eurocéticos pode chegar a 65% – praticamente dois terços da legislação em vigor no Reino Unido terá origem no parlamento europeu, garantem. Um número robusto – que enganosamente inclui não só leis mas também regulações e diretivas europeias – que serve para vender o principal argumento dos nacionalistas: são pessoas não eleitas por britânicos – que só contam com 73 deputados num parlamento europeu de 751 – que aprovam a maior parte das leis que afetam os britânicos. Isto só falando de deputados, ainda eleitos pelo resto dos europeus. Mas ainda os “eurocratas que nunca foram eleitos para nada” – como disse Nigel Farage em plano PE no ataque que o celebrizou em 2009 -, que lideram as instituições europeias. 

… na perspetiva dos brexiters

Nonsense. É assim que respondem os adeptos da comunidade europeia perante o 63% que os ‘brexiters’ vendem cartazes de campanha, autocarros, etc. Para eles não passa dos 13% a interferência de Bruxelas nas leis do país – um número que será tão incorreto como o dos rivais, já que ignora por completo as regulações – que, embora não todas, acabam por ter impacto na legislação britânica. Mas o principal argumento dos europeístas neste caso é lembrar não ser necessário sair da UE para recuperar a soberania alegadamente perdida. A Câmara dos Comuns continua com total independência em matérias essenciais como a carga fiscal, a distribuição orçamental pelos vários setores económicos ou até na política externa do país. E, como recorda a “BBC”, tem até poderes para revogar a Lei das Comunidades Europeias de 1972 – aquela que adaptou a legislação do país ao facto de este passar a pertencer a uma comunidade internacional.

SEGURANÇA…

… segundo David  Cameron

Numa das mais dramáticas declarações da campanha, David Cameron lembrou que Winston Churchill “defendeu apaixonadamente a união na Europa Ocidental, para que o continente não tenha que viver novamente tal derrame de sangue”. O primeiro-ministro deixou assim a ameaça de uma nova Guerra Mundial caso o referendo que o próprio convocou acabe com um resultado diferente do desejado. Num tom menos dramático, outras figuras da campanha têm defendido a importância da partilha de informação entre Estados num mundo cada vez mais globalizado. E lembrado os planos com que a UE pretende aprofundar os seus mecanismos de segurança, desde a já concluída partilha de informação sobre os passageiros de todas as companhias aéreas da UE até à prometida base de dados com identificação pessoal, ADN e impressão digital de todos os cidadãos da comunidade. 

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… na opinião de Boris Johnson

Foi também em referência ao impacto que o resultado do referendo terá na segurança dos britânicos que Boris Johnson apresentou um dos argumentos mais polémicos do debate: “Napoleão, Hitler, várias pessoas tentaram isto e acabou sempre tragicamente. A União Europeia é uma tentativa [de dominar a Europa] por métodos diferentes”, disse o homem que até há poucas semanas liderava a autarquia de Londres. Os defensores do Brexit defendem que a ausência de fronteiras na Europa e os medíocres níveis de cooperação entre as forças de segurança dos vários Estados-membros aumentam as probabilidades do Reino Unido voltar a ser alvo de ataques terroristas. Quando, em novembro, um grupo de terroristas matou 130 pessoas em vários tiroteios em Paris, Nigel farage disse que “a livre circulação de pessoas