O “Brexit” tornou-se realidade. Contra todas as expectativas e desejos de muitos, incluindo muitos britânicos, a expressão torna-se histórica e histriónica. Ecoa por toda a parte e os seus decibéis ainda não atingiram a dimensão máxima.
Mas o povo votou e o resultado, mesmo chocante, é inevitável e incontornável.
O incómodo por este resultado não tardou e as consequências desfilam aos nossos cinco sentidos: crise governativa e política no Reino Unido, bolsas em convulsão por todo o mundo, empresários, financeiros e políticos de todo o mundo ansiosos e temerosos dos tempos que hão-de vir.
As poucas horas que passaram sobre o anúncio do resultado constituem ainda a primeira fase das ondas de choque. Estupefação, lamento e manifestação de respeito pelos resultados de um lado, alegria, reivindicação e proclamações populistas do outro.
Os ingleses exprimiram de forma inequívoca a sua vontade de sair da União Europeia. Os britânicos votaram esmagadoramente. Mas os escoceses e os irlandeses nem por isso. Os independentistas cantam vitória como nos importássemos com isso pela Europa fora. Os nacionalistas e os extremistas afiam as facas, reclamam sangue, exigindo referendos, de fronteiras, votos e mudanças de políticas e até de políticos.
A economia pode sofrer um abalo, acrescido depois de todas fragilidades que tem dado mostras na última década. Pode o Reino Unido desagregar-se, na pendência da monarquia mais longa de sempre. E algumas regiões na europa agigantarem-se ao ponto de lançar o seu grito do Ipiranga. Pode a união europeia sofrer um abanão significativo, mas não creio que se abata.
À esquerda e à direita, sem qualquer serenidade, já se proclama o fim da Europa, o fim do centro politico, a escalada imparável da direita nacionalista e da esquerda radical. Já ouvimos, promovendo ainda mais a instabilidade, que a culpa é do excesso de integração europeia e das políticas dos últimos anos.
Estamos na primeira onda de choque. Precisamos de encara este problema de forma séria e não leviana. Isto é, a decisão britânica de deixar a união, de forma perentória, deve dar lugar à reflexão e à descoberta de outros caminhos.
Não podemos deixar que esta decisão punha em causa o que de positivo foi criado na europa nos últimos sessenta anos: a paz, a solidariedade, a harmonização de legislações, a mobilidade dos cidadãos, o acesso à formação e à qualificação profissional transversal, a facilitação a bens de primeira necessidade, mas também de bens sumptuários a uma grande maioria da população europeia.
A europa dispõe de um património histórico, um percurso em construção, um conjunto vasto de princípios que de tão comuns nem lhes atribuímos uma relevância europeia.
As decisões a tomar não devem ser precipitadas. Exige-se ponderação e até silêncio, por mais ensurdecedor que seja. Claro que estamos incomodados, nos torcemos nas cadeiras e desejávamos que a decisão tivesse sido outra. Por esta hora, David Cameron deve estar mais arrependido da decisão de convocar o referendo que nuca deve ter pensado, nem neste resultado, nem no tsunami que daqui pode advir. O maremoto pode ser evitado, se houver agora demonstração real que existem estadistas na europa e no Reino Unido.
Ninguém de bom senso pode prever o que vai suceder. Estudos, hipóteses, teses e teorias, estão nos múltiplos estudos que foram efetuados, principalmente nas últimas semanas.
Nada ficará na mesma. Politicamente a europa foi derrotada durante esta madrugada. Estamos perante uma situação em que ninguém vai ficar a ganhar. É tão evidente uma situação absoluta de “loss-loss” que estremecemos perante os cenários.
Os mapas da nossa infância, adolescência e idade adulta tremem à frente dos nossos olhos. O que quer que aconteça vai exigir pouca popularidade, muita decisão, tremendas mexidas.
Mesmo que os britânicos, ou apenas os ingleses, se arrependeram a decisão foi participada, fundamentada e desejada pela maioria. Todos os argumentos foram usados até os extremos de atentado contra a vida. E perante isto vamos pagar todos.
A europa vai ter agora a última oportunidade em décadas de se recompor. Em crises sucessivas de moeda, financeira, de fronteiras, de refugiados de incapacidade de decisão e de prospetiva, esta será a ultima hipótese para construir uma união. Pelo menos uma união de vontades e de reconhecimento que vivemos num continente comum e que temos percursos indeléveis juntos.
E no final temos de continuar a contar com os que residem na Grã-Bretanha. Por que são europeus, mesmo contra a união. Porque temos um caminho comum vivido, mesmo com espinhos.
Os bretões deram-nos uma machadada no espirito europeu. Mas está nas mãos dos que aqui vivem, nesta Europa que ainda queremos, uma resposta inclusiva e conjunta, aos que dela se quiseram ver livres. A Espanha que dê a primeira resposta já nas eleições do próximo domingo.