Brexit: Fica tudo igual… para já

O Reino Unido decidiu sair da União Europeia, mas isso ainda vai levar tempo: pelo menos dois anos. O turismo do Algarve pode pagar a fatura, devido à queda da libra, e sobretudo os portugueses no Reino Unido vão perder direitos. Até lá, “não há mudanças imediatas” para os cidadãos da UE, assegura o diplomata…

Os ingleses votaram pela saída da UE, mas o Reino Unido vai ficar na mesma ainda por bastante tempo. Os portugueses que vivem naquele país e os ingleses que residem em Portugal – ou em qualquer outro Estado-membro da União Europeia – não sentirão, por isso, qualquer alteração imediata. A razão é simples: o Reino Unido é um país comunitário até que se estabeleçam as condições da sua  saída e esse processo pode demorar até dois anos – o prazo máximo segundo as regras estabelecidas no Tratado de Lisboa, mas que pode ser prolongado.

Segundo Francisco Seixas da Costa, diplomata que exerceu as funções de ministro Conselheiro da Embaixada de Portugal em Londres, as regras relativas ao estatuto dos cidadãos comunitários nem serão a negociação mais complexa, serão mais complexas as negociações sobre as relações que a UE tem com 54 países e entidades estrangeiras, no quadro do comércio externo.

“Para os cidadãos, não há mudanças imediatas, uma vez que o processo de negociação entre o Reino Unido e as instituições europeias ainda não começou. O estatuto que os portugueses dispõem no Reino Unido vai-se manter até ao fim, até que outro novo estatuto possa suceder. Como tal, não vejo que haja a mais pequena alteração que afete os portugueses nos tempos mais próximos”, diz ao SOL Seixas da Costa, lembrando que “estamos a lidar com um país de bem, amigo, e que apesar de poder ter uma relação menos contratual com o quadro europeu, naturalmente vai ser sempre um parceiro fundamental para todos nós”.

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As mudanças não serão para já, mas quando vierem afetarão os portugueses que pensarem viver naquele país: passam a ser emigrantes, sujeitos às condições que vierem a ser decididas. Há quem aponte que é provável virem a ser estudadas condições especiais para cidadãos da UE que queiram ir para o Reino Unido.

A importância do estatuto de cidadão permanente

O Governo português aconselha os cidadãos nacionais que residem no Reino Unido a pedir o estatuto de cidadão permanente, para assegurarem os seus direitos sociais e evitar problemas. A sugestão pode inclusivamente ler-se no site do consulado de Portugal em Londres: “Por precaução, sugere-se que obtenha o cartão de residente permanente no Reino Unido, caso seja aqui residente há mais de 5 anos. No caso de ainda não ser residente há 5 anos, pode solicitar um cartão de residente que poderá tornar-se permanente quando perfizer 5 anos”.

Em declarações ao SOL, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, defendeu na sexta-feira que os portugueses “se devem inscrever nos serviços consulares e registarem-se nos serviços da Segurança Social britânica”.

Referindo que nunca apelou a que os portugueses pedissem dupla nacionalidade – como foi noticiado sexta-feira – o secretário de estado esclareceu o que sempre recomendou: “Caso os portugueses tenham essa vontade e reúnam os requisitos, devem fazê-lo”. José Luís Carneiro lembra, porém, que o mais importante é a obtenção do estatuto de residente permanente.

O secretário de Estado aproveitou ainda para frisar que “os portugueses devem seguir todas as recomendações dadas pelos serviços consulares, entre as quais está a necessidade de haver cautela na forma como os cidadãos procuram salvaguardar os seus interesses, porque o estatuto da futura relação entre a União Europeia e o Reino Unido vai depender em muito dos termos negociais que se vão desenvolver”. Neste momento, diz, “não se sabe se o futuro estatuto vai tirar ou dar direitos, é especulativo”.

Turismo português procura alternativa aos britânicos

A Associação Nacional de Turismo revelou na sexta-feira que espera um decréscimo do turismo britânico resultante do poder compra, mas garante que já está a “estudar medidas que promovam o desenvolvimento sustentado” do turismo nacional.

“Para combater eventuais perdas resultantes da diminuição da perda de poder de compra e da procura, não só de novos visitantes britânicos mas da própria comunidade de cidadãos do Reino Unido residente em Portugal, o presidente da ANT e os seus associados vão adequar estratégias junto de outros países e mercados”, refere a associação.

Apesar de reconhecer algumas consequências para o turismo do Algarve e de Portugal em geral, Desidério Silva, presidente da ANT, considera que, “no imediato, não haverá grandes consequências para a atividade hoteleira e turística”.

A União Europeia pode ser ainda mais unida agora

A União Europeia sai enfraquecida porque perde um Estado influente e poderoso, mas também porque pela primeira vez se assiste à desconstrução europeia. Mas nem tudo é mau e a partir de agora há condições para que haja uma União mais forte e mais coesa, segundo opiniões recolhidas pelo SOL.

Francisco Seixas da Costa diz mesmo não estar “preocupado com a preservação daquilo que é o essencial da UE: o mercado interno e a livre circulação no quadro atual”. O diplomata diz prever “coisas boas, tendo em conta que a posição do Reino Unido era das mais relutantes a algumas das políticas”.

E admite mesmo que “pode haver um aligeiramento das tensões internas”.

Trabalho conjunto contra o terrorismo não vai parar

Um dos argumentos que o primeiro-ministro demissionário David Cameron usou frequentemente nos últimos dias, e que agora preocupa alguns portugueses, foi o de que, uma vez fora da UE, o Reino Unido ficaria mais fraco no combate ao terrorismo. Mas até aí pode haver algum alarmismo que é preciso combater, segundo Francisco Seixas da Costa: “Os canais de comunicação entre as autoridades da UE e do Reino Unido vão continuar abertos. David Cameron só falou de medos e das desvantagens da saída, não das vantagens de ficar”.

O diplomata considera, por isso, que o combate ao terrorismo vai continuar a ser conjunto e esclarece não ter ficado surpreendido com essa postura de Cameron. “Todo o discurso inglês, quer conservador quer trabalhista, tem sido quase como o de Alberto João Jardim, que é o de estar sempre a pedir mais e com mais exceções. Com essa postura, chegaram até este momento”, explicou, concluindo que, para evitar novas saídas, a UE precisa de apostar em políticas que respondam às necessidades específicas de cada um dos estados.