Depois do Mundial de 2014 – cujo insucesso foi vaticinado por muitos – o Brasil volta a receber uma grande prova de desporto. E que Brasil é este? Um país que está a passar por uma das mais graves crises políticas e económicas, que contraiu 3,8% em 2014 – altura em que decorreu o Campeonato do Mundo de futebol, vencido pela Alemanha – e este ano está a registar um resultado semelhante, segundo o The Wall Street Journal . Um país dividido, palco de manifestações nas ruas, depois do polémico impeachment a Dilma Rousseff, que levou Michel Temer, seu vice-presidente, a assumir internamente o cargo no passado mês de maio. Um país que recebe os JO com insegurança nas ruas, com a epidemia do vírus zika a afectar vários estados da América Latina e um atraso significativo nas suas infraestruturas.
É quase impossível não dar de caras com notícias negativas relacionadas com a realização desta prova. Comecemos então pelo zika, que ficou muito conhecido em 2015 e tem registado milhões de casos em 60 países da América latina – só no Brasil houve cerca de 1.5 milhões de casos – e cerca de 3.500 casos de bebés com microcefalia, uma doença que pode estar ligada ao vírus.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) disse mesmo que esta epidemia pode ser uma ameaça global maior do que a ébola, que matou mais de 10 mil pessoas no continente africano entre 2014 e 2015. No entanto, aquele organismo afirmou em maio passado que «com base na avaliação atual, cancelar ou alterar a localização dos JO não vai alterar significativamente a disseminação do vírus». Uma resposta que surge depois de uma carta aberta escrita por 50 médicos, cientistas, especialistas e investigadores internacionais que, preocupados com a epidemia, recomendaram o adiamento deste evento. Para os signatários, «a estirpe sul-americana do vírus prejudica a saúde de uma forma que a ciência nunca antes tinha visto. 500 mil turistas estarão sujeitos a um risco desnecessário».
Atletas apreensivos
Feitas as várias recomendações, especialmente às grávidas, a quem a OMS já aconselhou a não viajar até ao Rio de Janeiro, tanto o Comité Olímpico Internacional como o governo brasileiro não estão preocupados com a epidemia. «Estimamos que um em 500 mil visitantes do Rio 16 possam contrair o vírus Zika», afirmou Ricardo Barros, o novo ministro da saúde.
Apesar do otimismo revelado pelos responsáveis, vários atletas já expressaram a sua preocupação, e outros disseram mesmo que não vão estar presentes nas olimpíadas. O basquetebolista espanhol Pau Gasol está a pensar não ir, o britânico Greg Rutheford, medalha de ouro em salto em comprimento em Londres 2012, admitiu congelar o esperma – e não viajar com a sua namorada e filho -, enquanto o golfista norte-americano Rickie Fowler pondera também não rumar a solo brasileiro.
15 guerras entre fações
Olhemos agora para a insegurança. O ministro da Defesa do Brasil, Raúl Jungmann, garantiu que está a ser preparado um esquema de segurança «à dimensão do evento», com especial enfoque nas ameaças terroristas. O ex-comandante das forças pacíficas das Favelas do Rio de Janeiro, Fernando Montenegro, corroborou esta afirmação anteontem em Lisboa, garantindo que haverá segurança máxima (40 mil elementos mais 60 mil unidades de segurança privada). Ainda assim aconselhou o cancelamento do evento.
As garantias poderiam tranquilizar mas bastava olhar para o número de guerras entre criminosos registado o mês passado para ficar preocupado: 15 entre fações de tráfico e milícias, segundo a edição do jornal brasileiro Extra.
«O Brasil insiste nos erros das operações de segurança pública no Mundial de Futebol e arrisca comprometer o legado dos JO 2016». Este foi o aviso deixado pela Amnistia Internacional num relatório intitulado ‘A violência não faz parte desse jogo! Risco de violações de direitos nas Olimpíadas Rio 2016’, divulgado no passado dia 2 de julho. As políticas de segurança seguidas pelas autoridades brasileiras resultaram no aumento do número de homicídios e violações de direitos humanos desde há dois anos, segundo o documento.
Seguindo para o atraso nas infraestruturas que servirão para receber as diversas modalidades olímpicas, bem como todos aqueles que vão participar nos JO (18 mil atletas mais juízes e treinadores), o cenário é também ele preocupante. As obras realizadas entre janeiro e março de 2016 causaram a morte de onze operários, segundo um relatório divulgado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro, citado pela imprensa local. A linha 4 do metropolitano registou três, e infraestruturas como o Parque Olímpico ou o Museu da Imagem e do Som também foram locais onde se registara m acidentes. «Acidente não acontece por acaso. Acontece por negligência ou por falta de prevenção», disse o superintendente do Trabalho e Emprego do Rio, Robson Leite, citado pelo jornal brasileiro Globo, em abril deste ano.
Este atraso é visível, por exemplo, na linha de metro que vai até à zona onde vão decorrer as Olimpíadas, mas outras infraestruturas, como o velódromo, não cumpriram o calendário definido: o teste do ciclismo foi o único de quatro eventos agendados a ser cancelado, como divulgou o diário brasileiro.
Tudo isto culminou com o governo brasileiro a declarar «estado de calamidade pública» há uma semana, graças à grave crise financeira que compromete o cumprimento de obrigações assumidas do governo estadual carioca em relação a eventos desportivos mundiais que vão decorrer em solo brasileiro. «Ficam as autoridades competentes autorizadas a adotar medidas excecionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais com vista à realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016», divulgou, em edição extra, o Diário Oficial do Brasil. Horas depois, Michel Temer anunciava a transferência de cerca de mil milhões de euros em fundos de emergência para o Estado, como avançou a agência Reuters.
Para terminar, a morte de Juma, o jaguar que acompanhava a tocha olímpica, indignou ainda mais o povo brasileiro. O animal foi vitimado por um tiro na passada terça-feira.