Depois do Leicester City, é a vez da Islândia, que se estreou no Euro 2016 e está nos quartos-de-final – onde irá defrontar a anfitriã França –, deixar milhões de adeptos de futebol com o coração cheio. Os únicos adeptos insatisfeitos foram todos aqueles que viram a seleção das terras de sua majestade cair aos pés dos homens do Atlântico donorte nos oitavos de final (2-1) – homens altos, loiros e fortes que vêm de um país que tem menos 51 mil habitantes que os campeões «foxes». Este é só um dos dados curiosos da nação mais pequena a estar presente num europeu que faz do espírito de grupo guerreiro a sua arma mais letal.
Ora dos cerca de 330 mil habitantes, 23, ou 0.007% da população se preferir, rumaram a solo francês para disputar o seu primeiro europeu – mais 8% da população (27 mil pessoas) para assistir aos jogos nos estádios franceses – e os treinadores Lars Lagerback, o sueco de 67 anos com muita experiência nestas andanças (três europeus e três mundiais pela Suécia) e HeimirHallgrimsson, que também é dentista, não tiveram muita dificuldade para escolhê-los.
E porquê? A melhor forma de o explicar(e com mais humor) é olhando para a publicação da Federação deFutebolIslandesa (FFI) que explicou como foi possível escolher o lote de jogadores que ficaram em segundo lugar no grupo F – à frente de Portugal, com quem empataram no primeiro jogo (1-1). Dos 332.529 mil habitantes, 165.529 mil são mulheres, entre homens, 40.46 mil têm menos de 18 anos e 82.313 mais de 35. Logo, nenhuma destas três faixas etárias entraram nas contas dos treinadores.Será preciso também subtrair os 22.136 mil habitantes obesos, os 1.246 islandeses que trabalham em turismo das baleias, os 314 sismólogos, os 164 vulcanólogos – com 130 vulcões (extintos e ativos) bem que precisam –, e os 1.934 mil pastores de ovelhas. Não que não pudessem integrar uma equipa de futebol, mas pela prestação que os descendentes de vikings estão a ter (com uma média de 1.85 metros de altura e 78.52 quilos), já se percebeu que não teriam lugar.
Prosseguindo nestas contas mirabolantes, existem 1.464 tosquiadores de ovelhas, 23 banqueiros – ui, ui, presos, com tanto por explicar desde a crise de 2008 –, 194 cegos, 7.564 doentes e 564 pessoas que trabalham em hospitais, nos bombeiros e na polícia que também não puderam calçar as chuteiras nesteEuro. Retirando finalmente o médico, o fisioterapeuta, os sete dirigentes, os 8.781 adeptos, o massagista e o transportador de águas, restam apenas 23.Pronto, fácil – é preciso não esquecer que Lagerbaeck também não entra, já que é sueco e que o adjunto, por razão alheia, não entrou na estatística. Falta só referir que todo o plantel selecionado é emigrante, ou seja, nenhum joga num clube da sua terra.
Mas não são só estes jogadores que estão a despertar o interesse em França. Os próprios adeptos têm «aterrorizado» cada estádio por onde passam, que o diga a seleção das quinas, que, no primeiro jogo do grupoF, viu a sua massa adepta ser silenciada pelo célebre ‘haka’ neozelandês.
Mas se o leitor não sentiu a força deste apoio, basta olhar para os números dos espetadores islandeses que assistiram à partida diante da Inglaterra. Esta partida registou 98,9% de share na televisão islandesa – só 650 pessoas é que não viram o jogo. É obra, sim senhor.
O adepto mais famoso do mundo (e o homem mais forte também) será Hafthor Bjornssonn, o gigante «TheMountain», da série norte-americana Game of Thrones, que chegou a ameaçar Cristiano Ronaldo caso marcasse ao seu país – não marcou, sorte do madeirense.
Mas como é que um país tão pequeno com tão pouca cultura futebolística pôde chegar tão longe? É que Islândia, terra das grandes paisagens, dos vulcões e dos duendes – embora, sem formigas, como informou o diário espanhol Marca – conta, hoje em dia, com cerca de 120 profissionais de futebol e 700 treinadores licenciados pela UEFA, antevendo um futuro que parece, para já, bastante alegre.
Só que o seu passado foi bem mais triste.Tudo começou a 24 de abril de 1996 no dia em que a Islândia venceu a Estónia por 3-0 em Tallinn num amigável, onde Arnor e Eidur Gudjohnsen, pai e filho respetivamente, celebraram a vitória em campo. O primeiro decidiu restruturar a federação e o segundo tornou-se no futebolista islandês mais reconhecido do mundo – depois de passagens peloChelsea e peloBarcelona, estando só agora, aos 37 anos, a disputar o primeiroeuropeu. Fez-se um forte investimento em infraestruturaspois nos vinte anos seguintes foram construídos onze estádios indoors, com todas as condições, perto das escolas – devido ao frio, só é possível jogar ao ar livre entre outubro e abril–, e surgiram vários treinadores semi-profissionalizados, que começam a estudar aos 5/6 anos e que podem vir de qualquer setor da sociedade: esta sistema só foi possível graças ao dinheiro televisivo que chega a todos os países da UEFA.Qualquer miúdo a partir dos três anos tem então a oportunidade de treinar com qualidade.
Neste país não há grandes carros, salários altos ou estádios gigantes, apenas uma grande ambição de jogar à bola com as melhores condições e educação possível. Essa foi a aposta da FFI, e até agora, bem feita. O crash financeiro também ajudou, porque os clubes viram-se obrigados a apostar nas camadas jovens.
O conto de fadas ganhou expressão há quatro anos, quando a Islândia começou a subir lugares no ranking da FIFA de uma forma surpreendente: passou de 134.º para 34.º, ajudou a afastar a Holanda deste Euro e está nos quartos-de-final, onde jogará com os franceses. A anfitriã da prova tem mais 42 clubes de futebol profissionais(contra zero islandeses) e 1880 jogadores profissionais a mais.Mas o guardião islandês e realizador de cinema, Hannes Thor Halldorsson, o capitão AronGunnarsson – que finalmente se tornou mais famoso que a sua mulher, Kris Jonasdottir, modelo de fitness – e Gudmundur Benediktsson, o locutor que já quase deve estar sem voz, querem, mais uma vez, continuar neste conto de fadas.