A II Grande Guerra terminara há pouco tempo e o futebol, que fora na maior parte dos países da Europa brutalmente interrompido, regressa à sua vida habitual. A seleção do País de Gales, a menos falada das três do Reino Unido, procura reconhecimento internacional e lança-se numa digressão que tem Portugal, Bélgica e Suíça como escalas.
Parece que a história se repete. Bélgica foi também um dos adversários de agora e de então. Vitória belga, em Bruxelas (3-1), mas vingança uns meses depois, em Cardiff (5-1 para os galeses).
Em Lisboa, no dia 15 de Maio de 1949, mais de 50 mil pessoas foram em romaria ao Jamor, ao Estádio Nacional, para tomarem conhecimento com jogadores como Trevor Ford, Ron Burgess, Billy Lucas, Roy Paul, Mal Griffiths, Alf Sherwood ou Thomas George Jones, o “capitão”. Não dariam o seu tempo por mal empregue.
Era domingo e Tejo e tudo. Fazia sol sobre o vale e bandos de andorinhas atravessavam as copas das árvores de Monsanto.
O embate entre portugueses e galeses teve tudo o que é necessários para agradar ao espetador mais exigente: lances bem desenhados, dribles, passes corretos, golos…
Tavares da Silva, enorme jornalista, o homem que inventou a expressão “Cinco Violinos” e chegou a ser selecionador nacional, esteve lá e viu. E vale a pena ler a sua prosa para perceber o que se passou no primeiro Portugal-País de Gales de todos os tempos.
O dinamite Mota Vamos a isso, então. Palavra ao mestre: “O que soube melhor nesta vitória, além de tudo, foi ela ter sido conquistada contra uma seleção, não só de boa fatura, como de características que engrandecem o triunfo das cores portuguesas. Porque o País de Gales, que sai pela primeira vez do seu território em busca de renome, não é um ‘team’ frio, geométrico, sem coração, mas, pelo contrário, e talvez nisto se afaste bastante do futebol inglês (não está em causa se para o bem se para o mal!), um grupo de brio e de luta, onze profissionais que fazem futebol próprio de amadores, de tenacidade nos lances e de apego em toda a altura”.
Sim, profissionais, recorde-se. Algo que Vasques e Travassos, Barrigana e Serafim Neves, Armando e Francisco Ferreira, Patalino e Mota não eram. O famoso jogador de “O Elvas” tinha até recusado uma fortuna para jogar no Real Madrid com a justificação de que nada o faria ir para longe da sua terra muito amada.
O selecionador foi Armando Sampaio, uma figura grada da Coimbra de antanho e que, por acaso, com apenas quatro jogos somados no cargo, só ganhou esse.
Para o País de Gales marcou Trevor Ford, ambos os golos.
Por Portugal marcaram Patalino (que sairia lesionado, dando lugar ao estorilista Mota), Vasques e o próprio recém-entrado Mota.
Tavares da Silva, explicava tudo: “A defesa do País de Gales, coriácea e de pontapé forte e largo, era uma muralha sólida que resistia a todas as investidas. Era preciso dinamite para a fazer cair, para lhe abrir brechas». Esse dinamite foi Mota, autor do golo derradeiro.
Dois anos mais tarde, foi a vez de Portugal se deslocar a Cardiff: derrota por 1-2, golos de Trevor Ford (outra vez?!), Mal Griffiths e Ben David. Depois, só voltou a haver mais um confronto, em Junho de 2000, em Chaves, vitória portuguesa por 3-0, com golos de Figo, Sá Pinto e Capucho.
O quarto embate, sim, será a doer.
Segunda parte tremenda! Voltemos a Maio de 1949. A segunda parte de Portugal é de categoria. Na esquerda, Travassos (interior) e Rogério Pipi (ponta) fazem miséria; no miolo, os dois Ferreiras, Armando, do Sporting, e Francisco, do Benfica, são autênticos dínamos, atropelando o meio-campo galês.
Os portugueses vão direitos à vitória que é sua por direito. Tavares da Silva fala-nos da equipa do País de Gales: “Peguemos ao acaso em qualquer dos seus componentes, e que nos aparece à luz mais branca do dia? Um jogador perito em domínio de bola e passe, e pontapé, nas suas múltiplas facetas, dando à sua arte a graça da simplicidade que toca as realizações perfeitas. Os selecionados de Gales, devemos dizê-lo, não saíram diminuídos do pleito, porquanto do princípio ao fim, a dominar ou dominados, o seu futebol teve sempre mais limpidez e mais pureza do que o dos nossos rapazes. Traçados mais certos, desenhos mais firmes, evoluções exatas!». Elogios francos para um adversário até aí desconhecido.
Tantos e tantos anos passados, Portugal e País de Gales têm encontro marcado para Lyon, na próxima quarta-feira, para discutirem entre si essa “ninharia” tão apetecida que é a presença na final do Campeonato da Europa de 2016. Se os portugueses sabem o que é lá estar (numa final), e perderem-na, nunca os galeses se viram em assados desta potência, pois contam na sua história muito antiga apenas uma presença na fase final de uma grande competição – o Mundial de 1958, na Suécia, tendo chegado aos quartos-de-final. Já fizeram melhor, aqui em França, mas querem ainda mais. A equipa do Dragão Vermelho na camisola vive de ambições e de uma luta dura contra o destino que lhe apontava o caminho de casa logo na fase de grupos. Ficou. E promete ser um adversário à altura dos portugueses.
Estaremos lá para ver e contar como foi.