Um homem e uma mulher, bem trajados mas mal amanhados, numa espécie de banco de jardim emoldurado por caixotes do lixo. Visivelmente alcoolizados, cantam à desgarrada: “Ai Agostinho!/ Ai Agostinha!/ Que rico vinho/ Vai uma pinguinha?/ Este país perdeu o tino/ A armar ao fino!/ Este país é um colosso/ Está tudo grosso!/ Está tudo grosso!” Foi em 1981 que o programa “Sabadabadu”, da RTP1, revelava a dupla composta por Camilo de Oliveira e Ivone Silva, e as suas diversas personagens, sempre muito cáusticas para com Portugal e os seus costumes. De todos, nenhum sketch ficou marcado na memória dos portugueses como este “Ai Agostinho, Ai Agostinha”.
Camilo de Oliveira morreu no sábado, 2 de julho, às 20h10, nos Cuidados Paliativos do Hospital Egas Moniz, em Lisboa. Tinha 91 anos e há já algum tempo lutava contra dois cancros, um na próstata e outro no intestino. O funeral terá lugar na quarta, dia 6 de julho, a parti da Basílica da Estrela.
Não houve em Portugal nenhum outro humorista que fizesse do seu nome a sua marca da mesma forma que Camilo de Oliveira fez. Durante largos anos foi presença assídua na televisão portuguesa, sobretudo na SIC, e sempre – ou quase sempre – com programas com o seu nome: “Camilo & Filho, Lda”, “Camilo na Prisão”, “As Aventuras de Camilo”, “A Loja do Camilo”, “Camilo, o Presidente”, entre outros.
Nasceu a 23 de julho de 1924, no camarote de direção do Teatro Caras Direitas, em Buarcos, na Figueira da Foz. Assim como se tivesse a vida marcada logo à nascença. Filho de atores, foi durante uma peça, enquanto o pai interpretava Dom Pedro e a mãe Inês de Castro que Camilo de Oliveira decidiu que estava na sua hora de nascer. Por isso, não é possível estranhar que sempre tenha dito que era ator porque assim tinha de ser. E aos cinco anos fez a sua estreia nos palcos, apesar de apenas aos 15 se ter assumido como profissional.
Ganhou estrada nas companhias de teatro itinerantes, mas foi quando chegou ao teatro de revista – onde se estreou em 1951, com “Lisboa é Coisa Boa” – que descobriu o seu espaço e a sua linguagem. Durante largos anos foi no teatro, sobretudo no de revista – onde participou em 47 peças -, que se afirmou como grande nome do humor em Portugal e um homem acarinhado pelo povo, ao lado de outros como Beatriz Costa, Raul Solnado, Vasco Santana e Ribeirinho.
Em 1979, tem a primeira experiência com a televisão, com “O Espelho dos Acácios”. Mas é em 1981 com “Sabadabadu” e o seu “Agostinho” que tem a primeira glória no ecrã que ainda assim não foi suficiente para o transformar numa figura da televisão portuguesa.
Isso viria a acontecer apenas em 1995. Com a SIC a viver um caso de fulgurante sucesso, o seu diretor, Emídio Rangel contrata Camilo de Oliveira para a série “Camilo & Filho, Lda”. Ao lado de Nuno Melo era Camilo Chumbinho, um peculiar pai proprietário de uma sucata, onde, apesar de faltar dinheiro, não faltava animação. Seguiram-se cerca de 15 anos de séries escritas e protagonizadas pelo ator e humorista onde o seu nome esteve sempre no título. O último trabalho da sua carreira de mais de 60 anos aconteceu em 2009-10, “Camilo, o Presidente”.
Adorado pelos portugueses, sportinguista ferrenho, homem do teatro e da televisão, apaixonado pela profissão e pelo público, os colegas reconheceram-lhe sempre o génio, mas também por vezes o temperamento. Para Camilo, acima de tudo isto esteve sempre uma coisa só. “Existem cinco coisas que interessam num ator: público, público, público, público e público. Sem ele, um ator nada faz”, disse ao site Agência de Informação Norte, naquela que terá sido a última entrevista do ator. Na mesma conversa, Camilo de Oliveira assumia a dificuldade em encarar o fim da carreira. “É uma luta saber que a minha carreira está no fim, sofro bastante com isto, por não estar já com saúde para dar o rendimento que o público até aqui exigia de mim. Fiquei convencido de que já não tinha capacidades para o público gostar de mim”, disse, justificando o afastamento dos palcos e da televisão.
Os últimos anos passou-os ao lado da família, sobretudo dos filhos e da mulher, Paula Marcelo, que conheceu quando esta tinha apenas 16 anos e com quem casou em 2002. Dela, disse em entrevista que era o seu “tudo”. “É a minha enfermeira, a minha mulher, o meu amor, a minha amante. Para mim é tudo.”