O princípio do fim de um sonho

Enquanto ainda tentava convencer-me da decisão inglesa a minha cabeça viajou até à noite da véspera, aos sorrisos cheios de esperança quando vemos amigos abraçarem um novo projeto. Pensei em todos aqueles que lá tenho. E, de repente, todos eles me pareceram mais longe

No passado dia 23 saí a correr do trabalho para tentar chegar a tempo de dar um beijo a um casal  que se despedia dos amigos para rumar a Londres. Ele português, ela russa, casados há cerca de dois anos e a viverem em Portugal, tinham decidido mudar as suas vidas para a capital londrina. Para mim seguiam o exemplo de tantos outros amigos que já lá tenho – alguns dos quais a viverem no país há tantos anos que já trocaram o café pelo chá. Eu própria, durante anos, alimentei o sonho de me mudar de armas e bagagens para me instalar em Londres. Não que seja a minha cidade favorita, mas sempre a vi como um sedutor melting pot, onde as oportunidades falavam várias línguas, onde o tempo corria mais depressa, mas onde, apesar de tudo isto, não deixava de estar na Europa. Na minha Europa.

Naquela noite, estando a despedir-me de dois amigos que rumavam a Londres foi inevitável falarmos da eleição que decorria. Mas esse não foi, em nenhum momento, o foco da conversa. Até porque estávamos todos convictos de que Inglaterra se manteria na União Europeia. Deitei-me com essa certeza e com essa tranquilidade. Acordei com os sons das mensagens e das notificações que se sucediam: o Brexit vencera. A Inglaterra queria sair da Europa. Da minha Europa. Da nossa Europa. As notícias atropelavam-se, os mercados reagiam, o choque era transversal. Para mim, mais do que as questões financeiras – seguramente muito importantes e com uma dimensão que ainda não conseguimos perceber totalmente -, é o lado emocional que mais me marca. E não digo isto inconsciente de todos os momentos negros que as instituições europeias têm protagonizado nos últimos tempos. Mas repensar a Europa, o seu papel e as suas instituições é, para mim, diferente de lhe virar costas, de virar costas ao projeto europeu, à ideia que esteve na sua génese de que, juntos, somos melhores.

Enquanto ainda tentava convencer-me da decisão inglesa a minha cabeça viajou até à noite da véspera, aos sorrisos cheios de esperança quando vemos amigos abraçarem um novo projeto. Pensei em todos aqueles que lá tenho. E, de repente, todos eles me pareceram mais longe.