Os treinos acontecem praticamente todos os dias. No de terça-feira, o mais antigo, antes de dar o tiro de partida, Bruno Claro pergunta sempre se há alguém pela primeira vez. “Ainda não tive uma terça sem que não houvesse pelo menos um braço no ar”, conta ao i. É assim desde há quatro anos, quando o Correr Lisboa não passava de uma aplicação para telemóvel que o programador informático criou depois de se deparar com cada vez mais pessoas a usar o Parque das Nações como pista de atletismo.
Se na altura a app foi criada para um concurso que acabou com outro vencedor, Bruno achou por bem lançar-se num autodesafio. “Se tivesse cem pessoas registadas no primeiro mês, continuava com isto”. Só no primeiro dia, foram mais de mil as pessoas à procura de companhia para correr. Para colmatar as falhas e desistências de última hora típicas de algo dependente apenas de tecnologia, Bruno e a mulher, Sandra, começaram a organizar treinos em vários pontos da cidade.
Numa quinta ao fim da tarde, já são mais de cinquenta os pontos amarelos que se começam a aglomerar em frente à Torre Vasco da Gama. A camisola de cor garrida que identifica o grupo não se consegue à primeira. “É preciso perceber que a pessoa tem um compromisso e está disposta a vir a alguns treinos”. Por coincidência , a nossa tshirt de hoje é também amarela, pode ser que assim passemos despercebidos no meio dos corredores de fundo.
Bruno desmistifica os medos de principiante e garante que este treino é aberto a todas as velocidades. “Vais correr a que? 5, 5.30 ou 6?”. Perante o nosso ar confuso, volta a desmistificar. “Corres 10 quilómetros entre 50 minutos e uma hora? Então vais no 5.30”. Yes sir. (Para quem mantém um ar confuso, é o mesmo que dizer que se demora uma média de 5.30 minutos a fazer um quilómetro).
Agora sim, juntamo-nos ao grupo certo para a nossa passada, mas não sem antes desviar o olhar até ao aglomerado mais lento, mas também – e talvez por isso – mais divertido. “Nós vimos duas vezes por semana, mas sempre para caminhar”, diz a despachada Hermínia, que há mais de dois anos que não falha uma semana de treinos. Já Arminda esconde, no seu pouco mais de metro e meio, o corpo de uma ex-campeã. “Corria quando ainda ninguém o fazia”, garante, lembrando a estante cheia de taças, mas também algumas das bocas que acompanhavam os seus treinos. “Mandavam-me ir para casa coser meias, imagine só”.
E agora sim, correr Se há vinte anos a corrida era um clube onde menina não entrava, agora a liderança dos quatro grupos de corrida é feita no feminino. Os mais rápidos já seguiram e nós, comandados pela Luísa, seguimos poucos metros atrás.
O caminho é feito à beira-rio, contra uma onda de corredores que vem em sentido contrário e que preferem fazer quilómetros sozinhos. “Eu não, até acho que corro mais rápido quando vou com mais gente”, confessa Luísa, que aos 24 anos tem fôlego suficiente para manter uma conversa enquanto lidera o grupo dos intermédios. Aliás, foi mesmo para melhorar a respiração que começou a correr. “Tinha asma e aconselharam-me a experimentar a corrida. Melhorei imenso e acabei por ganhar-lhe o gosto”, conta.
Aqui não há atletas nem treinos personalizados – para treinos técnicos está reservada a Pista Moniz Pereira às quartas – e, por isso, há quem se aventure na velocidade. Se os primeiros quilómetros foram feitos a um ritmo preciso, a última metade já puxa mais pelas pernas e, principalmente, pelos pulmões. “É a minha regra”, explica Luísa, “ninguém faz a última metade mais lenta que a primeira”. Do lado ouve-se um “ainda bem”, com a mão a esfregar a barriga, “treino intervalado é o melhor para perder peso”. Mas quando se fala em emagrecer, todos os dedos apontam para “aquele senhor de boné branco”. Escondido entre os muitos pontos amarelos está Jorge Costa, cujo corpo franzino já chegou a sustentar uns respeitosos cem quilos. “A primeira vez que sai para correr, apenas consegui caminhar uns passos”, conta ao i, “e ainda me lembro a vitória que foi a primeira vez que consegui correr o espaço de dois prédios no bairro onde vivo”. Hoje, com menos 30 quilos, prepara-se para correr a segunda maratona.
Com tanta conversa, quase que nos perdemos nas contas. “Vá, só faltam cinco minutos”, grita Luísa. Das esplanadas com pratos cheios e copos a serem servidos à medida que a França marcava à Alemanha, os olhares de alguns misturavam o desdém de quem prefere aproveitar o junho numa esplanada e a inveja de ver que há quem prefira correr a ter uma vida sedentária.
“E está feito”. Luísa para e nós paramos também, finalmente. “7.5 quilómetros a 5.24”. Não é preciso fazer contas para perceber que fomos mais rápidos do que o esperado. “Da próxima experimenta o grupo dos 5 minutos”, alguém desafia. É melhor deixar a respiração voltar ao normal, contas dessas agora parecem dignas de exame nacional de matemática.