Por estes dias, chovem críticas à União Europeia e esta tornou-se o bode expiatório de eleição. Porque não soube ler os sinais de insatisfação dos ingleses e prevenir o Brexit, porque não nos perdoa dívida e quer aplicar-nos sanções por infração do limite do défice, porque não tem solução para os refugiados, porque não é suficientemente solidária com os países do Sul, porque demora a reagir concertadamente ao terrorismo ou, até, porque nos obrigou a usar utensílios de plástico em vez de colheres de pau e impôs calibres às maçãs e às laranjas. Enfim, uma catástrofe, diz-se. A tal ponto que um partido, o BE, quer fazer a toda a força um referendo sobre o Tratado Orçamental.
Recuemos 30 anos. Não tínhamos um país ligado por uma rede de estradas e autoestradas, graças a fundos europeus que foram decisivos também para modernizar empresas e centros de investigação. Não percorríamos sem obstáculos a maioria dos países da Europa, sem fronteiras, e os jovens não tinham como certo irem estudar para um qualquer país europeu ao abrigo de programas de intercâmbio.
Também não tínhamos acesso a organismos que permitem desmantelar redes transnacionais de crime organizado, nem, em caso de resgate, um Banco Central Europeu a comprar a todo o transe dívida pública para conter as taxas de juro com que nos financiamos. E muitos outros exemplos se poderia dar.
«A Europa é dos cidadãos, não das regulamentações», disse esta semana Mário Centeno, a propósito do processo aberto a Portugal por infração do défice e insurgindo-se contra a eventual aplicação de sanções. O ministro das Finanças tem, em parte, razão: a UE tem muitas qualidades, mas também defeitos, nomeadamente o de olhar para o acessório e esquecer o essencial – e que, neste caso, é o facto de estar em causa uma infração de duas décimas por parte de um país que engoliu o xarope todo da receita prescrita pela própria UE, além de que nunca um Estado-membro foi antes sancionado por infringir o défice – e isso aconteceu incontáveis vezes.
Mas Centeno não pode esquecer que uma união de países e cidadãos tem regras e que estas são feitas para serem cumpridas. Não se pode exigir solidariedade entre Estados e não corresponder com a quota-parte de responsabilidade e empenho. Não se pode exigir direitos e benesses e, ao mesmo tempo, recusar deveres e sacrifícios.
Do mesmo modo, é muito engraçado ouvir certas vozes, em particular do BE e do PCP, a criticar violentamente os «desmandos da Comissão Europeia» e do BCE, que apelidam de «entidades externas» – como se essas não fossem as instâncias que representam e governam uma comunidade voluntária de países, entre os quais Portugal. Faz lembrar os impropérios que Alberto João Jardim proferia contra os «senhores do Continente» e dizia que não tinha de obedecer às suas regras, quando os partidos da esquerda o criticavam pelos gastos em obras públicas sumptuárias que fizeram disparar a dívida da Madeira. De tal forma que, nos últimos anos, isso custou um plano de resgate também aos madeirenses, não se tendo ouvido vozes de solidariedade com Jardim na hora das negociações.
Por muito que se amplifiquem as vozes que são especialistas a dizer mal da UE, constituirão uma minoria os que prefeririam recuar a 1985 e continuar «orgulhosamente sós» à margem da Europa. Uma Europa que continua a atrair milhões de pessoas originárias de outros continentes e não apenas as que fogem às guerras – querem aqui viver porque somos um referencial de progresso, de valores humanistas e de cultura de liberdade. Valorizemos, pois, o que é essencial e não o acessório.