Pokémon Go: uma reportagem de nível 17

Andámos por Lisboa (mas quase não saímos do  Cais do Sodré) à boleia de alguns jogadores de Pokémon Go, esse fenómeno que invadiu o mundo ao ponto de fazer homens de 60 anos querer apanhar Pikachus.

Está um Arbok à porta da Underdogs Public Art Store. José Vaz, nível 17, estudante de informática e multimédia, não perdoa. «Este, por acaso, não tinha». Dois segundos depois, um Pidgey retarda o início de um mini tour, onde vale tudo menos deixá-los fugir.

Seguimos em passo lento do Cais do Sodré para a Ribeira das Naus, não convém acelerar que por agora somos meros intrusos no ecrã de José. Por mais que queiramos fazer todas as perguntas e compreender o ‘bê-à-bá’ do Pokémon Go, enquanto o Tejo e a sua conjugação com o sol formam uma dupla simpática, não há como. Lá vem um Shellder, lá vem um Paras – ai paras, paras – José Vaz mal tem tempo para nos enquadrar. O dedo indicador em riste e cá vai disto que, nestas coisas dos jogos, há que saber respeitar o momento. A pokébola (que serve para caçar os monstros selvagens que vão aparecendo) vai e vai bem, o lisboeta acumula os Pokémon enquanto nos confessa que se o jogo fosse pago nunca estaria a ter este impacto: «Conheço bastantes pessoas de mais de cinquenta anos que jogam, que nunca viram a série na televisão, mas que pensam que se milhões de pessoas jogam também deviam jogar». 

A experiência de José Vaz está a correr bem – nível 17 já é algo considerável e até apostamos que hoje, dois dias depois da reportagem, já evoluiu mais uns níveis – mas garante que não é pessoa para desatar a correr para um pokéstop. Ou seja, um daqueles pontos de interesse no jogo, onde se recolhem pokébolas e outros itens necessários. 

Ganhar ou perder é Pokémon

José Vaz é dos que prega que perder ou ganhar é desporto, embora, como qualquer um de nós, prefira ganhar: «Já há pessoas com nível superior a 20 e a 30 a vender a conta no eBay. Eu nunca compraria nem venderia, o engraçado disto é a diversão, não estou aqui para ser o melhor em Portugal, gosto de picar os amigos por já ter um pokémon que eles não têm», explica, sublinhando que talvez por isso nunca tenha sentido perigo. Sim ele existe e há até relatos de jogadores americanos que já encontraram cadáveres quando caçavam os pokémon. 

Por aqui sobrevivemos, ainda que o calor esteja a pedir desistência, ainda que por isso e porque, por norma, os monumentos da cidade são quase sempre pokéstops, optemos por parar em frente à estrutura metálica de homenagem a Almada Negreiros que se encontra na Ribeira das Naus. 

Claro que não somos ingénuos ao ponto de achar que o quiosque ao nosso lado – talvez o mais concorrido da cidade – aumentou a sua lotação desde que o boom do Pokémon Go invadiu o mundo, mas que agora todos os telefones estão erguidos para o caso de um novo ‘amigo’ poder surgir lá isso estão. E a isso juntar-se-ão as tendinites que esse esforço acarreta. Se nós brincamos com isso, por outro lado, já há ortopedistas que salientam o perigo do chamado «pescoço de SMS» – que daqui para a frente corre sérios riscos de ficar conhecido como «pescoço de Pokémon Go». 

Quanto a isso, José Vaz, nível 17, não deverá ter problemas. O facto de «jogar sobretudo em casa e em cafés ali perto», como admite, deve livrá-lo dessas maleitas. O mesmo já não se pode dizer da pontualidade. «Tive um jantar de amigos em Santos», e como vive na Baixa, os amigos desafiaram-no «a derrotar o maior número de ginásios no caminho para o restaurante». Resultado, caro leitor, adivinha? Venceu seis ginásios e chegou 45 minutos atrasado, pois claro. 

Profissão: jogador de Pokémon

Quem, por seu lado, não perdoa na hora combinada são os amigos Cláudio Serpa e Rúben Pereira. A julgar pelo entusiasmo com que nos cumprimentam, enquanto praticam o tal «pescoço de Pokémon Go», parecem estar na meca destas criaturas. 

O Cais do Sodré já tinha um ou outro ginásio, só que os ginásios nunca tiveram tão na moda – e nem sequer falamos dos Crossfit desta vida. Os utilizadores deste género de equipamento nem costumam ser musculados, são ginásios onde o que importa é derrotar o líder, que normalmente se afigura como um pokémon de nível bastante elevado. 

É claro que planeámos tudo. Apresentamos José Vaz, vulgo jogador, a Cláudio Serpa e a Rúben Pereira, verdadeiros gamers de Pokémon, desde os primeiros passos dados no Game Boy. Mais: são ambos jogadores profissionais do circuito mundial de Pokémon (jogado em Nintendo ou em cartas), estando inclusive apurados para os mundiais que decorrem em San Francisco,  mas que, por falta de financiamento, não devem ir. Cláudio, com a ajuda de Rúben, é o organizador representante em Portugal da Pokémon Company, organiza torneios e faz tudo o resto. 

Depois desta apresentação o normal seria Cláudio Serpa estar no nível 30, mas não. Uma coisa é consola, outra é telefone. Bom, talvez estejamos a ser injustos. 

«Estou no nível 15, gostava de estar mais acima mas vivo em Fernão Ferro, onde não há muitos pokémon, e às vezes apanho um e só tenho outro a um quilómetro de distância. Enquanto aqui quase nem precisas de te mexer. Sou bastante caseiro mas desde que o jogo saiu já andei 50 quilómetros», esclarece. 

Perante este cenário de pokémon-como-cogumelos a que assistimos no Cais do Sodré, Rúben Pereira e José Vaz, que pertencem à equipa vermelha – ainda há a azul e a amarela, a de Cláudio – tentam assaltar um ginásio e passá-lo para os vermelhos. 

Cláudio faz o que lhe compete: fortifica-o, impedindo que os seus adversários possam dominar a área. Às tantas José Vaz derrota um Nidoqueen fortíssimo, ainda que dois segundos depois diga: «Isto no Cais do Sodré é tão intenso que nem cheguei a ficar como líder do ginásio, já me tiraram de lá».

Está tudo a querer apanhar um Arcanine aparentemente invencível. Estes três jogadores ao nosso lado não são os únicos de telefone na mão. Às tantas vem-nos a sensação de que isto já não é bem uma reportagem mas antes três pessoas a quererem apanhar tantos pokémon quanto conseguirem. Mais uma vez, cabe-nos ficar no nosso canto que também temos os nossos vícios quando o trabalho termina. 

A loucura lá acalma e pedimos a Rúben que nos tente explicar este fenómeno. «O que aconteceu com os jogos para o Game Boy, quando saíram pela primeira vez em Portugal, não foi muito diferente», começa por avisar, antes de prosseguir: «O efeito foi semelhante, até pela estreia da série na televisão. O que aconteceu foi que ao expandir-se para outras plataformas muita gente deixou de jogar, não é o nosso caso. Agora o jogo é grátis e à distância de uns cliques pode recuar-se à infância». Considera que se rodarmos a moeda para as gerações mais velhas, «provavelmente o que atrai é uma questão de curiosidade, mais do que qualquer outra coisa». Se nos permitem concordar com Rúben, digamos que não é a coisa mais imediata do mundo entender o fascínio de alguém que tem 60 anos, que nunca viu a série, que desconhece Ash Ketchum, por este Pokémon Go. 

Cláudio Serpa responde-nos de forma tão pronta como certeira: «É quase preciso viver debaixo de uma rocha para nunca ter ouvido falar de pokémon, ou, pelo menos, do Pikachu. Isto está a tornar-se um fenómeno social, as pessoas acabam por ficar agarradas, não apenas pelo jogo mas pela experiência que têm fora dele, o convívio que se gera porque apareceu um pokémon raro…». 

E a meio desta conversa lá acontece, Rúben Pereira faz sinal a Cláudio Serpa, sinal de pokémon raro que o faz de imediato parar de falar e tirar o telefone. «O jogo é tão simples que até um bebé conseguiria jogar», afirma Rúben, que continua a desfazer-se em elogios: «É um jogo que fomenta o convívio, o exercício físico, há casos de crianças autistas que depois de jogarem começaram a mostrar sinais de interação social, portanto o jogo terá sempre impactos mais positivos do que negativos». 

Talvez por isso, explica, dia 29 de julho, no Parque das Nações, vai acontecer a primeira caminhada do grupo de Facebook Pokémon Go Portugal. Já há mais mil pessoas confirmadas no evento. Será, por certo, complexo, apanhá-los todos.