Este texto deveria ser sobre um concerto. O concerto de Billy Bragg no Festival Músicas do Mundo Sines. E poderia ser sobre como, aos 58 anos, o inglês tem uma voz cada vez mais potente e segura. Ou sobre como é um extraordinário cantautor, que em mais de uma hora em palco viajou por alguns dos seus temas seminais – passando ainda pela colaboração com os Wilco, em 1998, no álbum "Mermaid Avenue". Ou até poderia ser um texto sobre o concerto de um homem que não tocava em Portugal "desde o século passado" porque foi pai, mas que entretanto "o bastard vai para a universidade e já não quer saber onde anda o pai". Ou poderia ainda ser um texto sobre um contador de histórias que fala sobre o tempo inglês que trouxe consigo até Sines, sobre o chá que Morrissey lhe recomendou é que o faz cantar afinado ou sobre como lava a louça e recicla, mas que não lhe peçam para fazer arranjos em casa – ainda que isso não o preocupe até porque a masculinidade tem muitas formas.
Mas acima de tudo este é um texto sobre um homem que não desiste de comunicar com o público mesmo quando o público parece não lhe ligar particularmente. Billy Bragg não desiste. E não desiste porque tem uma mensagem para passar. Porque as suas palavras – cantadas ou faladas – têm uma razão de ser. Os concertos de Billy Bragg têm tanto de música como de política, têm tanto de canções como de discursos.
"O grande problema desta coisa do Brexit", começa por dizer, "é que já não podemos considerar os políticos ingleses superiores aos americanos, já não nos podemos rir do Trump. A mensagem que passamos com o Brexit é que, se não vivêssemos numa ilha, agora estávamos a pedir para construírem um muro. Como se costuma dizer em Inglaterra: 'Same shit, different day'. Mas a escolha que temos de fazer é se queremos construir mais muros ou mais escolas e mais hospitais", diz, imediatamente antes de se atirar a "Why we build a wall?", de Anaïs Mitchell.
Mas Billy Bragg ainda tem mais a dizer sobre a decisão dos ingleses de abandonarem a União Europeia. Para o músico, os culpados não são os capitalistas ou os conservadores, mas o cinismo, "sobretudo o nosso próprio cinismo". "Mas a música pode ultrapassar esse escudo, e um festival como este faz isso especialmente. O nosso trabalho é fazermos pensar para além destas muralhas. É por isso que canto há 33 anos, porque acredito que posso ultrapassar esse cinismo, que a música tem esse papel. Mas não seremos nós, os músicos a mudar o mundo, mas vocês aí em baixo". Esperançoso, com uma voz num crescendo, diz que mantém a esperança. E termina apelando a que as pessoas "sejam ativistas porque só mudaremos o mundo se nos organizarmos". E, para Billy Bragg, "não há nenhuma organização que defenda as pessoas, os trabalhadores e as suas famílias como os sindicatos", remata antes de se atirar a um glorioso "There is Power in a Union". Missão cumprida.