Vários foram os professores e profissionais do jornalismo que me ensinaram que não devemos noticiar suicídios sob o risco de promover mimetismos. Durante muito tempo esta pareceu-me uma regra intocável do jornalismo – hoje já não é bem assim… Depois, quando comecei a trabalhar, o conflito israelo-palestiniano vivia uma fase particularmente complicada. Todos os dias chegavam notícias de ataques e de mortes. Um dia, o editor de serviço virou-se para a redação e disse: “A partir de agora só damos notícias do médio oriente se morrerem mais de 50 pessoas”. Abaixo disso não interessava, era só mais um. Era este o nível de banalização a que a morte tinha chegado.
Hoje podemos estar a caminhar no mesmo sentido. Não sou defensora de que devemos deixar de noticiar o mundo, tal como ele é. Sou, isso garantidamente, defensora de que temos todos responsabilidade em relação ao que noticiamos e à forma como o fazemos. E digo todos, e não apenas jornalistas, porque, com as redes sociais, todas as histórias ganharam interlocutores de bancada. Quando lidamos com fundamentalistas, mostrarmos imagens de pessoas aterrorizadas a fugir com crianças ao colo, corpos desmembrados, explosões, quando mostramos o pânico no rosto das pessoas, e quando o fazemos a toda a hora, não só prejudicamos o trabalho das forças policiais, como podemos abrir a porta a que outras pessoas queiram replicar ataques. Mas sobretudo estamos a alimentar a sede de tragédia daqueles que parecem ter declarado guerra a todos os que têm uma forma de viver distinta da sua. Parece-me óbvio que alguém que tem prazer em passar de camião numa movimentada avenida, explodir-se num aeroporto ou entrar aos tiros numa sala de espetáculos, retira ainda mais prazer ao ver a dimensão das suas ações – num claro exercício masturbatório. E, caso tenham sido ataques suicidas ou nos quais os atacantes não tenham sobrevivido, essas imagens apenas servem de alimento para os seus pares, que seguramente serão os próximos a perpetuar ataques. Talvez esteja na altura de, a uma só voz, se deixar de dar palco ao terror.