Luís Campos Ferreira: ‘É preciso coragem para salvar a Europa enquanto é tempo’

“Comportamento da banca é um dos fatores mais responsáveis pela indignação das pessoas”, afirma o ex-secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros 

Como se consegue resolver o problema do Daesh? 

Temos aqui três grandes desafios, para resumir. O primeiro é que temos que ir lá com força. Estão lá os EUA, a França, a Dinamarca, uma coligação internacional – que tem mandato das Nações Unidas, que é uma questão que às vezes escapa às pessoas, e está a agir mediante o principio da legítima defesa. Temos de ser mais assertivos do ponto de vista militar.

Intervir na Síria só com a Força Aérea chega?

Temos que ser mais assertivos, mais duros. Não resolve tudo mas eles vão sentir-se mais fragilizados se conseguirmos atacar a cúpula do Daesh. Isso é uma decisão que tem de ser tomada pela coligação.

Mas também já se tem dito que o enfraquecer do Daesh no Iraque e na Síria pode estar a ser uma das causas da sucessão de ataques.

Há aqui uma contradição enorme que não ouço ser muito referida. O Daesh continua a vender petróleo, que se produz no território onde eles estão instalados. E para venderem é porque alguém compra. E isso é impensável. Quando falo em ser mais assertivo em termos militares digo que não podemos deixar que eles continuem a praticar comércio, principalmente de um bem que lhes dá tanta rentabilidade, que lhes permite continuar a fazer este conjunto de patifarias e selvajarias.

Quais os outros dois desafios?

Temos que ter uma atitude mais securitária na Europa, não tenho dúvidas. Porque se não a tivermos, as pessoas deixam de acreditar naquilo que são democracias evoluídas, democracias de centro. E passam a seguir aquilo que são as receitas rápidas, superficiais e levianas às vezes daquilo que são as franjas. E aí vamos somar outro problema ao que já temos. E este centro democrático que governa maioritariamente a Europa tem que se tornar mais securitário.

Mas o centro tem margem política para isso? Hollande está a ter dificuldades em França.

Tem que haver. Se não tiver vão crescer as extremas-direitas e as extremas-esquerdas e vão acontecer mais Brexits. Mas o mais securitário não é ter mais polícias na rua – pode ter, mas isso é mais tático do que estratégico. Nós temos que resolver a cooperação europeia entre Polícias – não existe e o que existe é muito pouco. Temos também a cooperação militar, que é diferente da policial, entre as Forças Armadas da Europa. Um exército comum, seja o que for, ponham tudo em cima da mesa mas não deixem ficar isto como está – tenham coragem para mudar enquanto é tempo. Para salvar a Europa enquanto é tempo. E isso passa também pela reindustrialização, por questões bancárias, de orçamentos de Estado, mas passa muito pela questão securitária. Penso que passa essencialmente pela questão securitária se quiserem salvar a Europa enquanto é tempo. 

E ao nível dos serviços de informação?

Aí sim há uma margem total de progressão para uma maior cooperação entre os serviços de informação, sejam eles militares ou meramente policiais. Sabemos que se não fossem os serviços de informação haveria muito mais ataques do que aqueles que há. Ninguém acredita que cada tentativa de ataque tem sucesso. Muito provavelmente a percentagem de sucesso, felizmente, é ínfima. Mas os serviços de informação que têm controlado isso têm quase perímetros higiénicos à volta de cada país. Tem que se deixar de preconceitos e complexos e de grandes nacionalismos nesta matéria – “ah isto são segredos da nossa nação”, dizem. Mas são segredos da nossa civilização e por isso temos que os partilhar. Essa é a grande mudança de mentalidade que tem de existir.

E há condições para mudar de mentalidade?

Infelizmente há. Cada vez é mais difícil controlar estes ataques, porque não são organizados. Nem são só de lobos solitários, são ataques de psicopatas que se não fizessem esses ataques cometeriam outro tipo de crimes, mas que por um efeito mímico e inspirados pelo que vêm nas televisões e nos jornais acabam por praticar estes atos, atribuindo-os depois do Daesh. E para o Daesh esta é a forma que tem de mostrar a sua capacidade de fazer mal. Isto é muito difícil de controlar pelos serviços de informação, mas quando vemos que um dos últimos ataques foi feito por um individuo que tinha pulseira eletrónica, que já tinha tentado ir para o Estado sírio… há falhas de segurança e não é do polícia da rua, há falhas dos serviços de informação no controlo dos movimentos dessas pessoas. 

Como tem acompanhado as eleições dos EUA?

Em 2008, com Obama, tivemos um sinal de esperança, de acreditar que vinha um futuro melhor. E em 2016 o que temos é medo. Em oito anos houve esta desilusão. 

Obama tem responsabilidades?

Todos temos. Na minha avaliação Obama foi um grande presidente dos EUA. E julgo que Hillary pode seguir os passos, adaptando-se às novas dificuldades. Mas tem que seguir porque Obama foi um grande Presidente, que marcou um ciclo. Estas eleições só têm novidade se ganhar Trump, porque se ganhar Hillary – sendo ela até a primeira mulher a lá chegar – não será uma grande novidade. Se ganhar Trump aí sim, estas eleições marcarão a história. 

Acha que é possível a vitória de Trump?

Penso que não, contrariando tudo aquilo que é a ciência das sondagens, que têm vindo a apontar um caminho de vitória a Trump. Não só por uma questão de matemática sociológica como também por uma questão de bom senso. Trump tem uma visão muito protecionista dos EUA – vamos deixar de lado os seus fait-divers. Mas é principalmente na relação com a China. Se não estou em erro, o défice comercial dos EUA com a China é de 350 mil milhões de dólares. E por isso a solução que o Trump arranjou para isto é de mais protecionismo. E isto está a ter alguma aceitação junto da população, nos que vivem em zonas que já foram industrializadas e que perderam muito desse tecido. Foi visível nas primárias e é nas sondagens também. É mais um fator do fenómeno do medo. O medo de perder emprego, medo da segurança, o medo como arma de caça ao voto. Mais do que uma mensagem de esperança, de construção, há uma mensagem para assustar, para criar medo. E esse protecionismo tem um impacto direto na Europa e um impacto económico em Portugal, numa altura em que o TTIP está a ter muitos avanços. Se juntarmos à saída da segunda maior economia da UE, que é o Reino Unido, uns EUA protecionistas a Europa sofre muito.

É essa a principal ameaça à economia portuguesa?

Esta indecisão afeta a economia portuguesa sem dúvida. Tal como as crises nos mercados de língua portuguesa, principalmente em Angola. Mas também há causas próprias. A instabilidade na legislação, laboral, fiscal, de licenciamentos industriais. Nós não temos dinheiro para investimento privado nem público, para criarmos riqueza só temos uma solução – o investimento estrangeiro. E para isso temos que ter um modelo de captação de investimento competitivo, sendo necessária estabilidade legislativa, política e de expectativas, pelo menos a 10 anos. E esta instabilidade que Portugal está a viver, revertendo políticas e projetos legislativos do passado, instabilidade política sem se saber onde é que isto irá parar, essa é a grande ameaça à economia portuguesa. 

E é só a instabilidade?

Nós temos à volta de 12% do PIB em industrialização do país, não chega aos 13%. Não há país sem emprego e não há emprego sem indústria. Até 2020 nós devíamos ter 20% do PIB vindo da indústria. É dos livros, não há economia que se consiga crescer a valores interessantes se não tiver pelo menos 20%. Continuamos também com uma banca frágil, muito frágil. Não há economia sem o pulmão da banca. É fundamental para que a economia respire. Tivemos uma espécie de capitalismo selvagem, mal regulado, mal escrutinado, mas fiscalizado. Este comportamento da banca é um dos fatores mais responsáveis pela indignação das pessoas, que aliado ao medo está a produzir resultados eleitorais e a produzir políticos que não vão resolver nada, pelo contrário.

Mas, como referiu, os políticos castigados foram coniventes…

O poder político convive intimamente com quase todos os setores da sociedade, sejam eles culturais, económicos ou financeiros, convive de braço dado. Que o poder político também não andou bem, não andou…