Numa votação que se arrastou do dia 9 de agosto até à madrugada do dia 10, o Senado decidiu dar continuidade ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foi aprovado o parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) por 59 votos favoráveis e 21 contrários.
O resultado, que foi conhecido à 1h30, hora local, faz antever que vai ser muito complicado que, na próxima etapa, a 25 de agosto, em que a presidente vai ser julgada pelo senado, Dilma Rousseff consiga evitar a sua destituição definitiva. Nessa altura serão precisos 54 senadores para conseguir esse resultado.
Reeleita em 2014, Dilma é acusada de mandar publicar três decretos de créditos suplementares sem aval do Congresso. Os seus opositores também a acusam de usar, de forma irregular, a verba de bancos federais em programas que deveriam ser suportados pelo Orçamento, as chamadas ‘pedaladas fiscais’, que são no fundo a realização de despesas que não estavam previamente cabimentadas pelo Orçamento nem foram levadas ao parlamento para aquilo a que em Portugal chamaríamos a aprovação de um Orçamento suplementar. Ao discursar pelo afastamento de Dilma, o advogado Miguel Reale Jr. afirmou que a presidente lançou mão de uma política fiscal eleitoralista. «Ela não merece mais governar porque levou o Brasil ao desastre em que se encontra […] E caímos nisto: desemprego, recessão. Ligado a isso estão os decretos. A presidente sabia que não podia cumprir os objetivos fiscais.»
Por seu lado, o ex-ministro da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, observou que, no entanto, um Presidente da República não pode ser afastado por razões políticas. No regime presidencialista são necessários pressupostos jurídicos, como a comprovação de um crime de responsabilidade, para justificar este procedimento e declará-lo impedido de cumprir o seu mandato. «Os decretos não implicaram nenhum centavo a mais. Isso é um pretexto. O mesmo pretexto se coloca nas pedaladas fiscais.»
E acrescentou: «Querem utilizar pretextos para afastá-la por razões políticas e a Constituição não comporta pretextos. Quando se diz que o afastamento implica um golpe, afirma-se com convicção, porque a Constituição está sendo desrespeitada. É, sim, uma violência à Constituição», disse. Segundo Cardozo, o golpe viabilizou-se graças à união dos descontentes com o resultado nas urnas em 2014 «com aqueles que ficaram incomodados com a liberdade que Dilma dava à Operação Lava Jato».
Recorde-se que, em várias escutas de políticos apoiantes, a queda de Dilma era a condição principal para parar as investigações de corrupção ligadas ao caso Lava Jato. Gravações obtidas pelo jornal Folha de S. Paulo mostram o novo ministro do Planeamento, Romero Jucá, sugerindo ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado um ‘pacto’ para tentar barrar a Operação Lava Jato. De acordo com a reportagem da Folha, Romero Jucá sugeriu na conversa com o ex-presidente da subsidiária da Petrobras que uma ‘mudança’ no governo federal resultaria num pacto para ‘estancar a sangria’ representada pela Lava Jato. O ‘peemedebista’ foi um dos dos principais articuladores do impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Recentemente, administradores da construtura Odebrecht, no âmbito das investigações da operação Lava Jato, afirmaram poder provar ter dado mais de 10 milhões de reais (três milhões de euros) ao atual presidente interino, Michel Temer, em 2014, e mais de seis milhões de euros ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros, e candidato derrotado por Dilma Rousseff nas presidenciais, José Serra.