"Hélios és grande”, berram ao nosso lado à primeira nota. Só eu que desta vez não é o histerismo feminino habitual, encantado pela poupa mágica do baterista dos Linda Martini. Sinal de que no meio de tanta miudagem, gente que por certo não é o público de Linda Martini, ainda há quem se salve. Até há quem saiba a letra de “Unicórnio de Sta. Engrácia”, do seu mais recente disco “Sirumba”. Embora isso por esta altura importe pouco, deixemo-nos de desvios que este é certamente um dos melhores nomes do cartaz. Nem o fumo que encobre o palco impede que se veja o evidente: uma das melhores bandas nacionais dá uma lição de boa música a esta audiência precoce.
“Parecemos putos, não temos alma de amanhã”, canta-se em palco, ironia da vida esta que ainda que não seja direcionada pode servir uns quantos carapuços, aqueles que ainda se deixam arrastar pelo campismo do Monte Verde. Sucede-se a faixa-título, incrível combustão de cordas, coisa que fazem de olhos fechados, de trás para a frente, afinal, nem todos se podem orgulhar do seu percurso limpo e triunfante.
Ordenam-nos, lá de cima, que bebamos mais uma. Não é que precisemos de empurrão mas esta vai com mais gosto, somos todos “Putos Bons”. Prova disso é que até por aqui, como manda a tradição, há um cartaz para Hélio Morais, qualquer dia o homem não tem baquetas, de tantas que lhe pedem. E se pregam que “a vida acontece aos outros”, máxima tirada de “Dentes de Mentiroso”, permitam-nos discordar. Os outros somos nós, a vida é toda deles, e ainda bem, que assim permaneça. “Esperamos não demorar mais oitos a voltar aos Açores, mas enfim, quem sabe”, afirma Cláudia Guerreiro já no final do concerto. Fazemos nossas as suas preces.
E a vida continua, com um mar de gente a acarinhar o surfista Gabriel, o Pensador, menino querido de São Miguel, que nos garantem que deu a maior da enchente do festival em 2013, na sua primeira passagem pelo Monte Verde. Isso até hoje. Que o brasileiro avança e a fila, à entrada, não diminui, pelo contrário. O amor é tanto que Gabriel oferece a este público um momento íntimo, uma letra inédita que escreveu nessa tal passagem, uma declaração aberta que percorre toda a herança deste arquipélago. Esta gente só o pode venerar, um dos maiores aplausos do festival.
Já tarde, tal foi o tamanho da festa do rapper, sobra ainda tempo para fecharmos a noite com Throes + The Shine, só que o fim não é para todos, há sempre os que se dizem resistentes mas só chegam agora, de pernas frescas, ou seja, assim também nós. Em palco, aquilo que já foi a pura inovação, aquilo que começou por ser rockuduro é hoje, desde o disco “Wanga”, editado pela Discotexas em maio deste ano, muito mais eletrónico. Não deixa de ter os dois kuduristas/reis da festa com roupas de padrões para trocar os olhos, não deixa, também, depois de por esta altura já serem os copos a ditar os passos da dança, lenga-lenga não importa. Esta viagem a África, continente que à sua boleia é profundamente 2.0., serve na perfeição. Louco é aquele que desconhecia e vai esquecer. O segundo dia de Monte Verde, além de ter estado ao barrote, deu para tudo.