No rescaldo de uns Jogos Olímpicos onde a participação portuguesa foi esforçada mas “soube a pouco”, haverá muitos ecos e ondas de choque. Uma coisa é certa: o exercício físico deve fazer parte de uma vida saudável, como lavar os dentes, comer ou dormir. Sem mesmo se ser participante no Rio ou em Tóquio, há mudanças na vida do dia-a-dia que urge fazer, porque os custos para a saúde, mais importantes do que as medalhas, vão ser muitos…
Dizem as estatísticas, os estudos e os entendidos que um dos maiores problemas atuais das crianças e jovens portugueses é a falta de exercício físico. Não são só os pediatras ou os médicos de clínica geral que o afirmam: os especialistas de doenças reumatismais, ortopedistas, peritos em doenças cardiovasculares, obesidade ou osteoporose falam no que pode vir a acontecer (e que já acontece em parte) como resultado desta inatividade que começa a caracterizar o estilo de vida dos mais jovens.
Mas… será que são eles que estão mesmo a ficar preguiçosos, apenas exercitando os dedos no computador, telemóvel ou consola, ou será que a família, a escola e a sociedade é que não estão a cumprir o seu papel de oferecer condições para se praticar desporto, sem que isso implique um esforço sobre-humano, sobreposição de horários, deslocações prolongadas e inseguras, e despesas muito acrescidas ou dificuldades de vária ordem? Provavelmente, ambas as coisas…
Praticar exercício físico e desporto faz bem. Aliás, nem outra coisa seria de esperar, já que somos compostos por um corpo e esse corpo, por sua vez, é formado por ossos, articulações e músculos, que precisam de ser bem acarinhados e estimulados: o desporto é fundamental para o crescimento harmonioso, desenvolvendo a força, a resistência e a elasticidade corporal, e permitindo até certo ponto modelar as formas do corpo.
Por outro lado, o nosso corpo também inclui um cérebro, e o desporto, representando uma atividade de lazer e lúdica, contribui em muito para o equilíbrio mental e psicológico – a libertação, a nível cerebral, de endorfinas (umas substâncias parecidas com a morfina) facilita o relaxamento e a sensação de “cansaço saudável” que tão bem nos sabem.
Acresce ainda que a prática regular de exercício físico tem sido associada a um muito menor risco de comportamentos indesejáveis e antissociais, bem como à diminuição dos consumos nocivos – álcool, tabaco e drogas.
Por outro lado, cada vez se dá maior importância aos fatores que permitem uma melhor aprendizagem da democracia, do respeito e da arte de viver em sociedade. A prática de desporto de grupo, por exemplo, prepara a criança e o jovem para uma maior aceitação da diferença, para o ideal altruísta de “construir algo em comum”, para saberem “digerir” as derrotas sem agressividade ou desânimo e, desde que bem orientados, para uma competitividade sadia e estimulante, com respeito pelas regras do jogo e pelo adversário. Para tal contribui, obviamente, a figura do treinador, o qual deveria ser antes do mais um exemplo do pedagogo, aceite pelos jovens, tolerante na sua firmeza e compreensivo na sua autoridade. O treinador (ou o professor) – e, de forma geral, os dirigentes, dos quais alguns há que hoje em dia nos dão um espetáculo tão deplorável de falta de nível, de respeito e de ética – tem um papel essencial e estou em crer que, na maioria dos casos, nos diversos ginásios, clubes e agremiações desportivas, ainda representa para os jovens uma “âncora” a quem podem recorrer e um amigo para os momentos mais difíceis.
Há várias maneiras de se fazer exercício físico: desde as atividades normais do dia-a-dia até à prática de desporto federado, passando pela educação física e a prática desportiva nos tempos livres, na escola, em clubes e agremiações. Infelizmente, os ventos não estão de feição em nenhum destes campos, havendo que inverter a perceção que, nos últimos anos, desconsiderou o “cuidar do corpo” para “massacrar” os estudantes com matéria ou trabalhos de casa. As aulas de Educação Física/Desporto deixam a desejar em muitas escolas: carência de instalações, falta de professores competentes e que saibam motivar os jovens, lacunas em horários suficientemente alargados para permitir a prática de desporto sem ser à pressa, insuficiência de métodos pedagógicos e de ensinamentos que, para lá dos exercícios do tipo “flete flete insiste insiste”, mostrem aos jovens as vantagens e o interesse da prática desportiva, além de ensinarem alguns aspetos fisiológicos da atividade.
Por outro lado, o hábito de andar a pé está a perder-se, apesar de ser uma das melhores formas de descansar intelectualmente. Se nada for feito, os jovens irão militar na legião dos “drogados do automóvel”, os quais, para ir comprar o jornal ao quiosque da esquina, tiram o carro do estacionamento e perdem 20 minutos à procura de um lugar. O exemplo dos pais é importante, e não é possível entusiasmar um jovem a fazer desporto se muitos pais são os primeiros a deixar-se ficar sentados na poltrona, especados em frente do televisor.
Finalmente, como é possível ter uma juventude amante e praticante do desporto num país onde tão pouco se faz pelo desporto de massas? Desde o poder central ao poder local, a política tem sido (honrem-se as exceções) criar grandes estádios onde dezenas de milhares de pessoas vão assistir à atividade desportiva de 22. Será isso “fomentar o desporto”? Depois admiramo-nos ao ver a performance de outros países nas Olimpíadas…
O entusiasmo pelo desporto adquire-se com a própria prática, sendo todavia necessário que os pais não queiram que os filhos sejam logo campeões. Mais: quase de certeza, não o virão a ser. Poderão ser melhores ou piores, mas os campeões são só meia dúzia e isso “é outro filme”. A prática de desporto, quando levada ao exagero em termos de objetivos, acaba por ser contraproducente para a formação do caráter: individualismo e excesso de competitividade já existem que chegue no sistema educativo… e pessoas frustradas por não conseguirem atingir metas antecipadamente estabelecidas e à partida inalcançáveis também já começa a ser frequente.
Os jovens estão a ficar preguiçosos, com celulite, obesos, ociosos e sei lá mais o quê. Pelo menos, é o que os adultos dizem. Talvez. Mas feitas as contas, provavelmente a maior fatia da “culpa” nem será deles. Será desta, no rescaldo do Rio 2016, que alguém fará alguma coisa?
P.S.: Leitor, que tal reler este texto a andar a pé de um lado para o outro? Mesmo que não tire mais proveito nenhum dele, sempre serão uns minutos de exercício…
Pediatra
Escreve à terça-feira
Artigo exclusivo Jornal i