Primeira-dama. Afinal, o “cargo” não servia para nada?

Personalidades contactadas pelo i defendem que a inexistência de uma primeira-dama não afeta a Presidência de Marcelo Rebelo de Sousa. Para Marques Mendes, estes últimos seis meses de mandato são prova disso.

As idas de Marcelo Rebelo de Sousa à praia na companhia da namorada Rita Amaral Cabral voltaram a servir de achas na fogueira para a questão da não existência de primeira-dama em Portugal. 

Tal já tinha acontecido durante as campanhas presidenciais e, mais recentemente, a revista Flash chegou mesmo a avançar que o Presidente da República estaria a planear o casamento com a companheira de várias décadas – informação já  desmentida pelo Chefe de Estado.

Mas afinal faz ou não falta ter uma figura feminina do lado do Presidente da República? Politólogos e personalidades ligadas à Presidência são unânimes em dizer que não. 

“A sua inexistência é uma decorrência da modernidade”, afirma António Costa Pinto ao i.

O politólogo adianta que o estatuto da primeira-dama em Portugal é “relativamente informal e sem personalidade jurídica”, logo a não afeta em nada o dia-a-dia do Presidente.

Uma tradição importada Alfredo Barroso, antigo chefe da Casa Civil de Mário Soares, vai mais longe. “A história da primeira-dama é uma tradição americana importada por vários países europeus”.

Sobrinho de Maria Barroso, o ex-secretário de Estado defende que, uma vez que quem foi eleito foi o Presidente da República, a respetiva mulher deveria adotar uma postura mais reservada. “O desempenho do cargo é independente de ter mulher ou não. Tal como está estabelecido na Constituição, o Presidente da República é um órgão de soberania unipessoal. É um cargo que deve ser exercido pela pessoa eleita e mais ninguém”, acrescenta.

Se houver algum tipo de representação por parte da primeira-dama, tem de ser feita a título pessoal. Aliás, Alfredo Barroso diz mesmo que não concordar com uma lei elaborada na época da Presidência de Jorge Sampaio, em 1996, onde se prevê a criação ‘gabinete de apoio ao cônjuge do Presidente’  para prestar apoio à mulher ou marido do Presidente, tendo ainda ao seu dispor dois adjuntos e um secretário. “Não havia nenhuma disposição nesse sentido nem com o general Ramalho Eanes nem com o Presidente Mário Soares, mas é verdade que tanto Manuela Eanes como a minha tia assumiram plenamente o seu estatuto de primeira-dama sem que nada o autorizasse do ponto de vista legal”. Ainda assim, recorda que, no seu tempo como chefe da Casa Civil, determinou que dois funcionários iriam dar apoio a Maria Barroso, uma vez que esta era extremamente solicitada para diversos eventos. “Mas não havia nada previsto na lei, era uma questão de bom senso”.

“É uma falsa questão” Para Marques Mendes, o facto de não haver primeira-dama em nada afeta a Presidência. “Num regime republicano como o nosso, a figura é a do Presidente da República e não a do Presidente mais a primeira-dama”, explica o ex-líder social-democrata, realçando que as mulheres dos Presidentes não podem exercer funções.

O comentador explica que, nos últimos anos, foi-se construindo a figura da primeira-dama como figura da Presidência, mas que esta é uma questão “até ‘menos republicana’ do que é normal”. Marques Mendes fala mesmo de uma “construção inteligente para tirar partido da sensibilidade” que as primeiras-damas têm junto da população. 

“O país não sente a falta de uma primeira-dama e a prova de que isto é uma falsa questão são os primeiros seis meses de mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. O importante é o modo como o mandato é exercido”.

A eurodeputada Ana Gomes também defende que esta é uma “não questão”. “Quem é eleito é o Presidente da República. Se há uma primeira-dama ou um consorte e se quiser ter atividade pública, pode ter. Não havendo, também não há qualquer problema”, disse a socialista, adiantando ainda que o papel social “que as mulheres de Presidentes da República fizeram sempre pode ser feito por alguém da própria Presidência”. Manuela Eanes, Maria Barroso e Maria José Ritta tiveram um papel social importante.