Lisboa pode vir a ter abrigo para sismos

Por agora é só uma ideia: a Área Metropolitana de Lisboa e a Ordem dos Arquitetos querem criar um abrigo para dar apoio à população após um terramoto.

A afirmação de que vai haver um grande sismo em Lisboa nas próximas décadas, meses, ou dias provoca certamente receio em qualquer alfacinha. Mas os especialistas que o garantem não pretendem gerar o pânico – apenas querem que sejam tomadas todas as precauções necessárias para minimizar os danos.

Como não se luta contra a natureza – e como os relatos de 1755 devem servir para que se aprenda com as experiências – a Área Metropolitana de Lisboa (AML), em conjunto com a Ordem dos Arquitetos (OA), lançou um concurso para que sejam apresentadas ideias para um abrigo administrativo que possa ser montado num cenário pós-terramoto no espaço de dois dias.

A Proteção Civil tem um plano de intervenção acautelado para as primeiras horas após um catástrofe deste género e a utilização de hospitais de campanha é uma realidade no país. O projeto CASA – centro de apoio social e administrativo – pretende dar outro tipo de resposta às pessoas. A ideia é que este seja um espaço onde estejam centralizados alguns serviços a que a população possa recorrer. «Pretendemos que este seja um local onde as pessoas se possam dirigir para tratar documentos, procurar ajuda médica ou familiares, etc. Um sítio que sirva para armazenar medicamentos e onde as autoridades possam tomar decisões. No fundo, que funcione como um polo administrativo», explicou ao SOL o engenheiro Demétrio Alves, Primeiro Secretário da AML.

Os vencedores são conhecidos em outubro e os candidatos têm apenas algumas regras a cumprir. O abrigo deverá ter 500 m2, ser facilmente montável e desmontável e empregar materiais «amigos do ambiente».

A ideia partiu da própria AML. «Não vale a pena assustar ninguém, mas sabemos que Lisboa é suscetível às questões sísmicas», continua Demétrio Alves. E o protótipo pode ser montado no caso de outras catástrofes. «Não falamos apenas de terramotos. Imagine-se um meteorito, ou até catástrofes humanas. Ou um tsunami».

Sobre esta questão, Demétrio Alves diz ainda que está a ser estudada a implementação de um sistema de alerta de tsunamis em Lisboa. «Não terá a dimensão do instalado no sudeste asiático, em que foram colocados dispositivos de controlo debaixo de água, o que é muito caro. Mas estamos a trabalhar com a Proteção Civil e a Câmara Municipal para termos uma estrutura de alerta».

Uma ideia para ficar na gaveta? 

O projeto vencedor ficará na posse da AML. Neste caso, se o projeto for ‘armazenado’, será uma boa notícia: significa que a CASA existe e que está pronta a ser montada em caso de necessidade. Demétrio Alves diz que para já não há certezas de que o projeto será real mas que «esta possibilidade vai ser estudada». Por agora, e já que os candidatos ainda podem entregar os projetos até ao fim do mês, é impossível antecipar custos. Tudo dependerá, por isso, das verbas. «Temos recebido muitos pedidos de esclarecimento», revela o engenheiro. «Isto pode ser um bom indicar sobre a quantidade de candidaturas que vamos receber».

Demétrio Alves deixa uma sugestão. «Espero que as equipas sejam compostas não apenas por arquitetos mas também por engenheiros e até geólogos. A multidisciplinaridade é fundamental num projeto deste tipo». 

A dica é lógica: se são os arquitetos os responsáveis por desenhar o espaço, serão os engenheiros a garantir a execução do mesmo e será ainda necessário determinar um local seguro para montar a CASA.

Copiar a localização da Real Barraca 

«Um bom local para para instalar um espaço destes seriam as zonas de Belém e da Ajuda», explicou ao SOL o engenheiro João Appleton, um dos maiores especialistas da matéria no país. 

Hoje a carta geológica da cidade é bem conhecida (ver infografia) e basta um olhar para percebermos quais as zonas da cidade em que a rocha está mais próxima do solo. Os nossos antepassados chegaram às mesmas conclusões de forma empírica. Após o terramoto de 1755, foi necessário realojar a família real, já que o antigo palácio da Ribeira, na zona do Terreiro do Paço, foi destruído. O local escolhido para instalar os governantes foi alto da Ajuda, longe da água e onde quase não foram sentidos os efeitos do terramoto. O resto da história é conhecida – é ali erguida a Real Barraca, em madeira e pano – que vem a arder em 1794, dando lugar ao Palácio da Ajuda. Na época, conta João Appleton, «chegou a estar pensado reconstruir a zona da Baixa em Belém».

Para além destas, há zonas a ocidente da cidade, João Appleton refere alguns locais mais centrais – como Campolide ou Benfica – que têm basalto e calcário muito próximo do solo, sendo, por isso, menos vulneráveis aos sismos. Por oposição, temos o vale da Baixa, a Mouraria e o Bairro Alto, entre outras zonas vulneráveis. No entanto, sublinha, não podemos olhar apenas para as zonas mais problemáticas e imaginar que serão estas as mais afetadas. «Tudo depende da qualidade de construção dos edifícios, até porque hoje em dia já é possível intervir em zonas problemáticas como a Baixa através de medidas adequadas de reforço das fundações». 

O especialista aplaude a iniciativa da AML em criar uma estrutura como a CASA. «Tudo o que for feito em termos de minimização de danos num cenário de pós terramoto é bem-vindo», disse ao SOL. Mas deixa um alerta: além do depois, há que pensar no antes. «Esta é uma ideia que vem a jusante, mas a montante ainda há muito a ser feito para diminuir os riscos. Basta pensar na quantidade de quartéis de bombeiros e hospitais instalados em edifícios antigos, alguns construídos antes do século XVIII», disse ao SOL. O hospital de São José é um dos exemplos. 

Por isso, João Appleton sublinha que deve ser feito «um inventário dos edifícios públicos e estratégicos de maior relevo e fazer neles as intervenções necessárias para impedir que colapsem». «Centros de comando, hospitais, escolas e as infraestruturas que compõem a Proteção Civil devem ter a máxima prioridade», continua. 

Há anos que o especialista vem alertando para a iminência de um terramoto na capital e, por isso, volta a insistir na importância da qualidade das construções. As primeiras leis que davam indicações específicas sobre as técnicas de construção e segurança antissísmica datam os anos 60. Mas só anos mais tarde é que estes assuntos começaram verdadeiramente a ser tidos em conta. «Houve maior rigor a partir dos anos 80. Quem projetou de acordo com os regulamentos fez edifícios seguros desde 1983». O problema, adianta, são os construtores que se escusaram a usar as quantidades de ferro necessário e outros tipos de aldrabice. Por isso, apesar de haver leis adequadas a regular os projetos, João Appleton diz não ter dúvidas de que «muitas construções contemporâneas vão colapsar». E deixa um exemplo: «O pior edifício que fiscalizei em termos de segurança foi uma escola. Construída em 2005».