Os privilégios desta profissão têm tanto de incrível como de ingrato. Se é certo que o gatilho – armado em bom – está sempre pronto para disparar presunção, para provocar inveja, “chorem-todos-que-eu-já-vi”, com a mesa da esplanada cheia, não menos certo é que em três minutos ficamos a falar sozinhos.
É muito giro pertencer a esta classe até os amigos nos começarem a odiar e a espera se revelar tão árida para os que ainda aguardam uma estreia oficial quanto para nós. A não ser que o nosso espelho seja viciado em séries e possamos jogar ao o-que-vai-acontecer-a-seguir com ele. De outra forma o deserto estica a carpete à nossa frente e ai jesus que lá vamos nós. E não é só dos amigos fanáticos por Pablo Escobar que falamos. Mesmo perante o leitor, que sabe que é um dos nossos maiores confidentes, adivinha-se complexa esta tarefa de pouco ou nada lhe contar. A segunda temporada de “Narcos” estreia dia 2 de setembro na Netflix, tente não dizer ao mundo o que vai ler nas próximas linhas. Ainda que seja apenas uma tentativa, claro.
Esperemos que não tenha exagerado no queijo durante as férias porque se há coisa que sempre se faz nestes textos é puxar pela memória do leitor-espetador, aquele “previously on Narcos” que o papel ainda não consegue reproduzir.
Recorda-se onde ficámos no final da primeira temporada? La Catedral em chamas, invadida por uma coluna militar com meios quase inéditos na história colombiana. Quatro mil soldados, dois mil e cem homens das forças de elite colombianas, sete cães e quatro helicópteros. Dão-nos os números porque são sempre trunfos de algibeira, tijolos para reforçar e entender a dimensão da nova proeza de Pablo Escobar. No meio do mato e da cordilheira que rodeava La Catedral, escondido na penumbra e com meia dúzia de homens – os que sobraram da chacina que defendeu o seu patrão – não havia como escapar. Sim, mas como tantas personagens dizem durante a história, e como nós, consumidores invertebrados da sua epopeia sangrenta, nos habituámos a dizer: nada é impossível para Pablo Escobar. Portanto devemos-lhe respeito.
A fuga dá-se com a classe de sempre, o tamanho das artimanhas do traficante parece nunca encurtar, há sempre um esconderijo, há sempre mais alçapão secreto. Durante este primeiro episódio urge também a ideia que já vinha da primeira temporada: a coleção de aliados e inimigos de Escobar não tem fim. À mesa com os seus súbditos Pablo faz questão de lembrar que é bom que todos se curvem, porque eles são o Cartel de Medellín. Só que essa lógica de vénia obrigatória não cai bem a todos, sobretudo à viúva de Kiko Moncada, Judy. Lembremos que Escobar matou Kiko e Galeano durante a primeira temporada por suspeitar que ambos – os dois homens que geriram o negócio nas ruas enquanto Escobar teve preso – o estivessem a roubar.
Pois parece que é por esses pântanos que Escobar vai ter que se arrastar durante esta série, isto ainda que não tenhamos a certeza que Judy Moncada e os seus escudeiros – que se recusam a cooperar com o patrão do narcotráfico – saibam no que se estão a meter. O mesmo se pode aplicar ao próprio Escobar, que prossegue o bate-pé com o presidente Gaviria, que parece não estar para ceder a notas de sangue. Calma, a ginástica anti-spoiler aqui vigente só foi retirada do primeiro episódio. Quanto ao resto já se sabe que é nesta temporada que Pablo_Escobar vai morrer. Sobra achar o maldito que o fez. Vá com calma, que isso são quinhentos para queimar mais à frente. E não vai querer ver os dez episódios de empreitada e ficar a chorar de saudades, pois não? “Narcos” continua a ser “el fuego que arde tu piel”.