Naquela terça feira à noite, Haider e Ridha vinham de outro bar. Chegaram ao Koppus, em Ponte de Sor, e continuaram a beber. Era dia de semana, mas não havia planos para voltar cedo para casa, até porque estavam com um colega de Haider, também aluno da escola de aeronáutica G Air Training Centre.
Já passava da meia noite quando o primeiro desentendimento surgiu dentro do bar. Na mesa onde não se falava português, um dos iraquianos de 17 anos decidiu baixar as calças. Incomodados com o ato dos estrangeiros um grupo de jovens portugueses que estava sentado perto reagiu com palavras duras e investiu.
A ordem foi reposta pelo dono do Koppus Bar que não permitiu que houvesse agressões dentro do estabelecimento: “Se quiserem vão lá para fora, aqui não”. Pouco depois os dois iraquianos saíram e os portugueses foram atrás. Tudo o que se passou a partir de então já foi reconstituído pela Polícia Judiciária, através de recolha de depoimentos e de vestígios de ADN.
Cerca das duas da manhã, a GNR foi chamada ao local por existirem relatos de agressões junto àquele bar, mas quando lá chegou não viu nada. Logo de seguida a patrulha viu ao fundo Haider e Ridha. Os dois irmãos apresentavam alguns sinais de violência, sobretudo algumas escoriações na cara. “Podemos confirmar que na face tinha sinais de eventuais agressões, escoriações, se eram resultante daquela noite ou de outras situações anteriores é que não se pode garantir”, explicou ao i o Tenente Coronel Moisés, da Guarda Nacional Republicana.
Pediram para fazer teste do álcool Segundo o i apurou nessa altura não foi formalizada qualquer queixa de agressão por parte dos filhos do embaixador do Iraque em Portugal, que pediram apenas para que lhes fosse feito o teste do álcool para saberem se tinham ou não condições para conduzir.
Sem saber da idade de ambos (não foi solicitada a informação porque não estavam a conduzir), os militares acederam ao pedido tendo verificado que ambos excediam a taxa de alcoolemia permitida por lei em Portugal.
A partir desse momento, os elementos da GNR decidiram que o melhor seria levá-los para uma unidade de saúde ou para casa, caso os próprios preferissem ir na manhã seguinte a um centro de saúde. E foi isso que aconteceu. Os dois irmãos gémeos quiseram ir para casa e os militares conduziram o carro do Corpo Diplomático até à morada indicada.
Fonte da GNR explicou que a opção teve o objetivo de garantir que os dois jovens iraquianos não voltassem mais tarde ao local onde estava a viatura, podendo assim haver mais agressões.
Tudo estava a voltar à tranquilidade para a GNR de Ponte de Sor, pouco habituada a grandes confusões ou episódios de violência. Mas nem sempre o que parece é e duas horas depois da primeira ligação um novo alerta cai na central: havia um novo episódio de violência.
Suspeitos fugiram após agressões À chegada ao local, os militares viram apenas um jovem caído no chão, num estado muito grave. “A GNR não encontrou no local os jovens que agora são suspeitos de terem praticado estes factos”, garantiu ao i o Tenente Coronel Moisés.
Dados os contornos do crime, foram logo feitos contactos para a Polícia Judiciária.
Na manhã seguinte, a GNR acabaria por encontrar novamente os dois jovens, que já não estavam em casa. Foi inicialmente encontrado um dos irmãos na rua, que rapidamente disse ter vindo do centro de saúde, conforme tinha sido combinado. Nessa altura, informou também os militares de que o irmão ainda tinha ficado na unidade de saúde a receber tratamento.
“A GNR localizou os dois suspeitos e levou-os para o posto para tentar perceber o que poderia ter-se passado, uma vez que a PJ já tinha sido contactada e disse que se iria deslocar ao local”, explicou a mesma fonte da GNR, negando qualquer acompanhamento ou proteção no transporte ao centro de saúde.
Perícias ao carro e à roupa A partir desse momento e já com a vítima entretanto hospitalizada, e em coma induzido, o caso passou a ser tratado exclusivamente pela Polícia Judiciária, que fez interrogatórios, apreendeu roupa e análises ao carro, que pertence ao corpo diplomático.
Segundo o i apurou junto de fonte da PJ, as peças de roupa que os dois iraquianos usaram naquela madrugada de quarta-feira foram entregues nos dias seguintes voluntariamente para que a investigação possa apurar se existem ou não vestígios biológicos da vítima.
Esta terça-feira, os investigadores – uma equipa da Diretoria de Lisboa da PJ – estiveram em Ponte de Sor para ouvir diversas testemunhas e até os amigos de Rúben Cavaco, que o acompanhavam na noite dos distúrbios. Uma das pessoas interrogadas foi um jovem que se suspeita poder estar envolvido com os agressores. Segundo o padrasto da vítima, as diligências já realizadas apontam para que o episódio tenha sido gravado em vídeo por este elemento.
A evolução da situação de Rúben Cavaco é determinante para a continuação dos trabalhos, uma vez que além de ser fundamental ouvir a sua versão, também tem de ser feita a recolha de ADN para comparação com os vestígios que estão na roupa dos alegados agressores. Este último trabalho não pôde ser feito até terça-feira, dado o estado grave de saúde de Rúben Cavaco.
Os investigadores também pretenderão esclarecer se houve ou não atropelamento, sendo para isso necessária uma análise pericial à viatura do Corpo Diplomático.
O Ministério Público considera que outro das entraves à continuação dos trabalhos é a imunidade diplomática, tendo pedido, na quarta-feira, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que a mesma fosse levantada. Segundo nota oficial da Procuradoria-Geral da República, é “essencial” que os filhos do embaixador do Iraque em Portugal sejam interrogados na qualidade de arguidos.
Enquanto a investigação decorre, por entre impasses, o MNE já assumiu que houve uma conduta menos própria de Haider e Ridha. E o primeiro enfrenta um processo de expulsão da escola de aeronáutica G Air. O anúncio foi feito por Facebook: “As ações do aluno são intoleráveis e atentam ao bom nome da escola e de todos os seus alunos e colaboradores. De acordo com o código de conduta da escola deu-se início ao processo de expulsão do aluno”.