Salve-se a minivan antiga, o american muscle de 57, que lá dentro, no banco de trás, somos todos construção dos discos ou cassetes que os nossos pais ouvem. Frank Ocean é, portanto, filho de Celine Dion, Anita Baker e de toda a cena musical de Nova Orleães, que decidiu embrulhar o artista em mantas de jazz. Tiques de cegonha que podem explicar a tamanha sensibilidade de Frank Ocean. Esse rapaz que já aos 18 anos – aquando da sua mudança para Los Angeles – se revelava leve e esclarecido na arte de segurar a caneta, ao ponto de ter sido ghostwriter de gente como Justin Bieber, John Legenda, Beyoncé, por aí.
Em 2012 lá fomos nós, mais que o chão era impossível subir, provar a sua dor em “Channel Orange”, disco de estreia. Foi como receber um daqueles cartões que guardamos na carteira, no lugar menos acessível, pois sabemos que vamos lá voltar. E apesar dos quatros anos de escuridão entre o Lisboa Viva e o seguro de saúde, a nitidez a querer mudar de praia, Frank Ocean soube fazer-nos esperar. Em menos de nada, “Blonde”, LP que sucede a “Channel Orange”, um disco visual, “Endless”, e uma revista/editora “Boys Don’t Cry”. Segurem-se.
Quatro anos é muito tempo. Podemos sempre dizê-lo, da mesma maneira que dez minutos também podem ser. Até porque a espera, ainda que longa, não começou em 2012. Já se exasperava, sim, que no mundo da música queremos tudo o quanto antes, queremos no mínimo um disco por ano, mas nem todos os artistas, sobretudo com a neblina emocional de Ocean, são velocistas. O norte-americano cortejou-nos em abril de 2015, anunciou que estava em estúdio e que o novo LP estava para breve. A partir daí sacou-se o calendário da gaveta e foram-se riscando os dias com o título provisório “Boys Don’t Cry”. Só que a gaveta não tinha mais calendários, ou não tinha tantos dias disponíveis, como preferir, o que importa é dizer que quase nunca estamos preparados para a incerteza da indústria discográfica nem para a sua dança dos nomes.
Um ano depois, no primeiro dia de agosto, o “New York Times” confirmava que “Boys Don’t Cry” ia estar na rua cinco dias depois. Chegamos a 5 de agosto e nada. O Google e os serviços de streaming nunca devem ter visto escrito tantas vezes o nome de um artista sem que a recompensa fosse dada. Retomaram- -se as piadas, a amizade com Kanye West, que demorou mais tempo a editar “The Life of Pablo” do que a gravidez de Kim Kardashian. Só que Ocean tinha a lição bem estudada e o atraso não se deveu apenas a uma veia louca de alguém que não consegue decidir o nome definitivo para o seu novo disco. “Boys Don’t Cry” virou uma revista onde assina vários artigos, onde faz entrevistas, onde faz de nós que aqui escrevemos, e com todo o direito. Isto no mesmo dia em que lança “Endless”, um disco visual com 45 minutos e que abriu o apetite para, dois dias volvidos, a 20 de agosto, termos “Blonde” nos auscultadores.
O que não implica que Frank Ocean, por esta roda viva de datas, ameaças de edição, milhões de comentários no Twitter que ousam exigir respostas, se tenha colocado nesta tabuleiro frágil e desinteressante que não é inédito neste meio. A tal lógica quase de mexerico de transferência de jogador de futebol que tarda em concluir-se, críticas às arbitragens que duram semanas, quando, deste lado, o puro interessado só quer resultados, só quer poder ouvir o disco em loop, desligar-se das redes sociais para mais nada o infiltrar e, como estamos em Frank Ocean, quase de certeza… chorar.
“BLONDE”, SIM, COM E
São 17 as faixas que compõem o segundo disco do cantor. E permitam-nos dizer que a vida é praticamente sempre deste jeito: esperamos, imaginamos, fazemos imagens de coisas belas e roemos às unhas até não termos mais pele, para, depois, se for preciso, o baloiço a que estávamos agarrados nos deixar cair. É um bocado este o efeito de “Blonde”. Talvez o erro seja nosso, ninguém nos disse para fazer assim, para aguardar um almanaque do amor moderno, um registo histórico para inspirar teses de mestrado e flirts de bancos altos. Só que não. “Blonde” é profundamente bem escrito – “Solo” e “Ivy” podem bem ser cantaroladas ao ouvido depois de levado o pequeno-almoço à cama – e de uma produção exímia, de um corte-e-costura ao acesso de poucos artesãos. Tudo certo. Só que na hora da verdade e um minuto de disco depois, nem sempre estamos bem com isso, nem sempre queremos velas acesas e licor de poejo, então e que é feito das canções que nos obrigam a empurrar os sofás para a parede e trocar a sala por pista de dança, ainda que a proximidade se mantenha.
Estilos e gostos à parte, o que se sente neste género de evento, precipitado pela opinião pública, é que quando temos o objeto aguardado na mão não há como dizer menos bem do próprio, não há como não achá-lo fantástico. Afinal, estamos há meses para conseguir dizer: “Já ouvi o novo disco do Frank Ocean, é maravilhoso.” Talvez não seja, mas talvez não seja isso o que mais importa. Esperemos não ter de aguardar mais quatro anos.
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