Scott & Charlene’s Wedding. Longa vida à depressão

Oiça em exclusivo “Mid Thirties Single Scene”, terceiro disco da banda a editar pela Fire a 9 de setembro

Abaixo a felicidade. Passam a vida a lamber-nos a crista com discursos motivacionais, que assim não vamos lá, que se ainda aqui estamos então que estejamos mesmo. Tudo bem, certo, afirmativo. E o chorar por chorar, o há-gente-bem-pior-mas-isso-pouco-me-importa, o quarto fechado para rogar pragas à esquina da cama onde sempre martelamos o dedo mindinho do pé? No fundo, onde é que está o direito à depressão? 

Escutar Scott & Charlene’s Wedding é bilhete automático para esse vale confortável de desilusão resiliente. A banda australiana liderada por Craig Dermody acaba de estacionar a carrinha no seu terceiro disco “Mid Thirties Single Scene”, a editar a 9 de setembro pela britânica Fire Records. 

Enquadrar faz sempre falta, atiremos, por isso, a cana de pesca em direção ao mar. Estrearam-se em 2010, com “Para Vista Social Club” sob um dos nomes mais distintos para uma banda, até porque emergiu de um dos maiores eventos televisivos australianos. Quando Scott Robinson (Jason Donovan) e Charlene Mitchell (Kylie Minogue) se casaram, na novela “Neighbours”, o país, e olhem que não é pequeno, parou para ver, como se do banquete da rainha se tratasse.

E portanto Dermody e companhia são como velhas que ficam à espera da novela após o jantar, e tudo o que escrevem é a pensar no casal fictício. Mentira, óbvio, nem o estimado leitor acreditou em tamanha mentira. “As pessoas perguntam-me sobre os verdadeiros Scott and Charlene,  se são referências mas nem por isso, um nome é um nome e este é fixe. Mas nunca penso neles quando estou a escrever, muito menos em nada que tenha a ver com a televisão australiana”, afirma ao telefone. 

O nome é, de facto, reflexo do que são, da ironia desmedida, dos quilos de sarcasmo com que envolvem o seu indie-rock descomplexado. Podemos mesmo dizer que a enorme capacidade narrativa de Dermody – desde ovos mexidos [“Scrambled Eggs” é a quarta faixa de “Mid Thirties Single Scene”] a noodles de beira de estrada e à morte do pai – é o foie gras dos Scott & Charlene’s Wedding, que adora esta coisa de disfarçar assuntos sérios com uma linguagem satírica: “Ainda bem que dizes isso, faz-me sentir que realmente entendeste a nossa música. Sei que sou irónico e divertido, mas também sentimental, melancólico. ‘Scrambled Eggs’, por exemplo, é uma faixa bastante literal, sobre ovos mexidos, ainda que seja sobre perderes alguém, é brincalhona mas também tem algo mais profundo”, avisa Dermody. 

Nos últimos três anos adeus Nova Iorque que isto das ratazanas não é para mim, falamos por Craig Dermody, se ele não se importar. Foi lá que escreveu o anterior “Any Pot in A Storm” (2013), seguiram-se digressões pela Europa, EUA e Japão, que ainda que façamos escudo da poluição não há como fugir, “este disco não está muito longe dos anteriores, mas se estou a mudar enquanto pessoa, se vive outras experiências nesses lugares, as canções também mudam, de alguma maneira”, diz Dermody sobre “Mid Thirties Single Scene”. Outro nome caricato, sobretudo quando estamos perante uma banda-casamento. Nada de solteirices, quase todos os elementos da banda estão comprometidos e saudáveis, garante-nos Dermody. Portanto, leitores casamenteiros, podem esquecer. 

O que já é para tentar, porque na tumba não cabem os quases, é perceber a sua fixação com os empregos precários, porque em todas as pesquisas que fizémos em seu torno deram em algo como: Os Scott & Charlene’s Wedding são profundamente influenciados por ‘dead jobs’. Algo que Dermody trata de explicar: “Sim, é verdade, é uma constante no meu processo. Sempre tive trabalhos lixados, e como escrevo sobre aquilo contra o qual luto acabo por ir lá parar. Agora tenho um trabalho estável e do qual gosto portanto não sei sobre o que vou escrever daqui para a frente, mas tenho a certeza que vou arranjar alguma coisa que me deprima, é sempre assim”. Longa vida à depressão.