Depois da intervenção da presidente suspensa, Dilma Rousseff, na segunda-feira, o Brasil continua expectante. Caso 54 dos 81 senadores votem pela sua destituição, a saída de Dilma da presidência será aparentemente definitiva.
Este cenário é o mais provável: o jornal “Estado de São Paulo” tinha ontem recolhido as intenções de voto de 52 senadores pela destituição, contra 20 pela manutenção da presidente.
O presidente interino, Michel Temer, afirmou ao “Estado de São Paulo” não ter assistido à intervenção, no Senado, da presidente Dilma Rousseff, pois estava “trabalhando”. As declarações foram feitas ontem à comunicação social, num evento em que recebeu os dez atletas brasileiros medalhados nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. “Sou obediente às instituições e aguardo respeitosamente a decisão do Senado”, disse Temer.
Quem também não conseguiu ver a intervenção de defesa da presidente Dilma foram os espetadores do canal de televisão mais visto no Brasil (Globo), o que levou a comentários bem humorados nas redes sociais: “A Rede Globo parou um domingo inteiro para ver deputados mencionarem suas famílias para dizer um simples ‘sim’.
Neste momento, há uma presença histórica no Senado de uma presidente fazendo a sua própria defesa num processo de impeachment. Goste dela ou não, a história está sendo escrita agora. Neste momento, a Rede Globo está ensinando a fazer um ovo cozido”, pode-se ler num comentário de um conhecido advogado replicado pela Mídia Ninja [grupo de ativistas de comunicação que fazem informação alternativa aos media institucionais].
Manifestações e barricadas Apesar da placidez culinária do principal canal do mais importante grupo de comunicação do país, o dia de ontem foi tudo menos calmo. Depois das cargas policiais, na segunda-feira, contra manifestantes pró-Dilma no centro de São Paulo, a capital económica do Brasil acordou com várias das principais estradas cortadas por manifestantes e barricadas.
Na sala do Senado, a tensão também não era menor. A câmara alta do parlamento brasileiro perdeu algum tempo a discutir a presença de quatro equipas de filmagens que pretendiam registar os acontecimentos para documentários sobre o processo. “Produtores e diretores de quatro documentários que estão a ser filmados nos corredores do Congresso para retratar a crise e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foram alçados à categoria de protagonistas nos debates entre aliados e adversários da petista”, referia o circunspecto “Folha de São Paulo”.
A sessão de ontem foi dedicada a ouvir os autores do pedido de impeachment da presidente, seguidos dos seus defensores. Em seguida, o debate prosseguiu entre os senadores. Apesar de o presidente interino, segundo o “Estado de São Paulo”, ter pressionado para a votação ser feita ainda ontem – fontes da sua equipa garantem que “pelo menos 59 senadores votarão pela destituição” –, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, afirmou que a votação final sobre o impeachment deve ser hoje de manhã.
Autores negam conspiração Na sua intervenção no Senado, a advogada Janaína Paschoal, uma das autoras da ação de impeachment contra Dilma Rousseff, negou a tese da presidente de que a ação da sua destituição tenha resultado de uma conspiração para parar as investigações de corrupção e de um golpe de Estado parlamentar para a derrubar. “Se tiver alguém fazendo algum tipo de composição neste processo, é Deus. Foi Deus que fez com que várias pessoas, ao mesmo tempo, cada um na sua competência, percebessem o que estava acontecendo no nosso país, e conferisse a essas pessoas coragem para se levantarem e fazerem alguma coisa a esse respeito”, afirmou.
A defesa de Dilma foi feita por José Eduardo Cardozo, antigo Advogado da União [ instituição brasileira responsável pelo exercício da advocacia pública], que afirmou: “Não é possível condenar a presidente sem crime de responsabilidade”, e ainda que a punição “pelo conjunto da obra” não cabe ao Senado, mas sim ao povo.
Segundo o “Estado de São Paulo”, mesmo que Dilma seja derrotada na votação, a sua defesa prepara um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).