No momento em que começo a escrever este artigo, Mariano Rajoy faz o seu discurso de investidura no parlamento espanhol para tentar conseguir ser eleito presidente do governo. Nesta altura em que fala o líder do PP, Espanha está sem governo há 252 dias, 14 horas, 36 minutos e 38 segundos.
Como fez notar o escritor argentino, residente em Espanha, Martin Caparrós, em artigo no “New York Times”, desde 2 de janeiro de 1492, quando as tropas de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, conhecidos como os Reis Católicos, tomaram Granada, Espanha nunca passou um dia sem governo. E em algumas épocas, como nas invasões francesas e na Guerra Civil, no século xx, chegou a ter dois governos ao mesmo tempo.
“Nunca durante mais de cinco séculos deixou de haver governo. Só a partir de 20 de dezembro do ano passado isso aconteceu, quando as eleições não deram maioria a nenhum partido para formar governo e todas as tentativas de coligação falharam”, assinala o escritor.
Mariano Rajoy falou uma hora e meia, dizendo que não tem o apoio da maioria absoluta dos deputados, mas que Espanha não pode estar sem governo, e sublinhou que quem ganhou as eleições foi o Partido Popular: “Espanha necessita de um governo com urgência; os espanhóis expressaram com clareza a sua preferência pelo Partido Popular, não existe alternativa razoável.” Foi assim, com a sua principal mensagem, que começou o seu discurso de 36 páginas.
A intervenção não parece ter entusiasmado o parlamento de Madrid: mesmo os seus aliados Ciudadanos, através do seu porta-voz no parlamento, Juan Carlos Girauta, fizeram uma apreciação pouco entusiasmada da intervenção do candidato a presidente do governo que apoiam. Consideraram que este não referiu suficientemente os 150 pontos acordados com o partido de Rivera e foi quase omisso sobre o combate à corrupção. “O sr. Rajoy propõe-se ser presidente do governo e, no entanto, não percebemos que, faltando-lhe apenas seis votos a favor ou umas quantas abstenções, não haja nem uma referência ao PSOE para lhe pedir que se abstenha, nem a nenhum outro partido para que faça o mesmo. Mais que questões de estilo, isso parece traduzir uma certa falta de fé que não percebemos.
Se não põe a energia necessária para que votem nele para ser investido, ninguém vai tê-la por ele. Se ele não acredita que pode ser, quem vai acreditar?”
Por sua vez, o número dois do Podemos, Íñigo Errejón, considerou que “foi um discurso de chantagem. Sabe que não vai ser eleito. Dedicou demasiado tempo a dizer que não há alternativa. Pablo Iglesias dirá amanhã [hoje] quais são as razões porque vamos dizer que não e vamos defender que há outra alternativa [neste parlamento]”.
Hoje seguem-se no parlamento as intervenções de todos os líderes partidários e o dia encerra com a primeira votação para empossar o governo. Neste primeiro sufrágio, Rajoy terá de obter a maioria absoluta dos deputados: 176. É quase certo que não o vai conseguir. Mas depois desse eventual chumbo, o indigitado tem até ao dia 2 de setembro para, em votações sucessivas, tentar conseguir uma maioria relativa de deputados. Se, até esse dia 2 de setembro, o governo de Rajoy não conseguir o número suficiente de votos, o rei pode voltar a ouvir os partidos. O prazo para este parlamento tentar formar governo esgota-se a 31 de outubro. Depois, resta convocar novas eleições – as terceiras em curto espaço de tempo.