“Talvez sejas um organismo demasiado perfeito para que sejas somente aquilo que és”

É a imperfeição do Homem que lhe dá brilho, que lhe dá cor

A imagem desta fotografia retrata Charlie Chaplin no filme, de 1940, O Grande Ditador, um filme histórico em que o ator, transvertido em Hitler, apela à paz no mundo, a que as pessoas pensem por si próprias e não se deixem levar por homens que lhes digam o que devem fazer ou sentir, que as tratam como gado, como ovelhas que inquestionavelmente seguem o seu pastor.

Esta frase, escrita na Rua José Saraiva (e, entretanto, já «apagada» por tinta branca da parede do café para uso exclusivo dos “Amigos da Igreja Maná”), unida à imagem, chamava a atenção, tanto pela força da imagem como da palavra escrita.

E a frase começa logo com uma hipótese: “talvez sejas um organismo demasiado perfeito para que sejas somente aquilo que és”. Assim, quem lê a frase pode questionar-se sobre esta possibilidade, e pensar no assunto. Não fazendo uma afirmação, acaba por ser mais assertiva do que uma qualquer frase afirmativa que poderia antecipadamente levar a duvidar do que está escrito.

E a hipótese levantada é que o ser humano, sendo tão perfeito, pode ser mais do que aquilo que aparenta ser.

Efetivamente, enquanto corpo, enquanto organismo, o ser humano, em abstrato, é muito perfeito; é um organismo que funciona em harmonia total. No entanto, sendo o espírito parte do ser humano, este deixa de ser perfeito, tornando o ser humano, pela sua própria essência, um ser imperfeito, um ser cujo âmago é a própria imperfeição.

E é a imperfeição do Homem que lhe dá brilho, que lhe dá cor; é essa imperfeição que o afasta (e, simultaneamente, o faz aspirar a aproximar-se) dos deuses e lhe dá a dimensão humana do erro, da tentativa, da hipótese – até da própria hipótese de ser muito mais. Como escreveu Fernando Pessoa em versos inéditos: “Se é maior ser um Deus, que diz apenas / Com a vida o que o homem com a voz: / Maior ainda é ser como o Destino /Que tem o silêncio por seu hino / E cuja face nunca se mostrou”.

É esta característica, mortal e imperfeita, que torna o Homem verdadeiramente interessante, que dá sentido à vida, por esta não poder ser previsível. É, na realidade, esta fragilidade essencial humana que garante vida ao homem. Ser frágil não é ser fraco. Ser frágil é ser humano.

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services