O Ministério Público prossegue as investigações à volta das viagens de três secretários de Estado a França para assistirem as jogos da seleção portuguesa de futebol. Ontem mesmo ficou a saber-se que uma equipa do MP fez buscas na Galp e numa empresa de viagens, durante a primeira quinzena de agosto.
“Confirma-se a realização, na primeira quinzena de agosto, de buscas à Galp e a uma agência de viagens. No decurso das buscas foi apreendida documentação. O inquérito não tem arguidos constituídos e encontra-se em segredo de justiça”. lê-se numa nota da Procuradoria Geral da República (PGR) ao i.
Em causa está apurar os contornos das viagens feitas pelos três secretários de Estado – Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, Internacionalização, Jorge Costa Oliveira e Indústria, João Vasconcelos – a convite da petrolífera, situação que levou mesmo a oposição a pedir “a cabeça” dos governantes ao primeiro-ministro.
António Costa acabou por, aparentemente, desvalorizar o caso, dando-o por encerrado depois de os governantes em causa terem restituído as despesas correspondentes às viagens e de o governo anunciar a aprovação ainda durante o verão de um código de conduta destinado a gerir este tipo de situações que envolvam membros do governo e altos dirigentes da administração do Estado debaixo da jurisdição do executivo.
Com esse código de ética, anunciado pelo ministro dos Negócios Estrangeiro, Augusto Santos Silva (primeiro-ministro em exercício durante as férias de António Costa), o governo quer clarificar a norma atual da lei para que ela se “torne taxativa e, portanto, em relação à qual o seu cumprimento não ofereça quaisquer dúvidas”.
A lei em vigor determina que, apesar de haver uma proibição geral de aceitação ou entrega de ofertas, “há gestos de cortesia que são aceitáveis por razões que têm a ver com os usos e costumes ou com a adequação social”, lembrou então Augusto Santos Silva.
Só que a vontade do primeiro-ministro em dar por findo o “caso viagens da Galp” não produziu os efeitos desejados. O próprio chefe de Estado não deixou o assunto cair no esquecimento.
No final da passada semana, no regresso das férias, Marcelo não podia ser mais claro acerca do tema das viagens: “Tudo o que possa permitir uma suspeição do relacionamento entre poder económico e poder político não é bom. Não é bom para o poder político, não é bom para a política e não é bom para a visão que as pessoas têm dos políticos”.
E justificou: “Uma das razões porque não é bom é que imediatamente cria impedimento legal de quem tem de intervir em processos em que estejam envolvidos entidades que, de alguma maneira, tiveram um gesto, que possa vir a ser encarado como gerando suspeição”.
Este comentário do presidente, lido assim, pode parecer desenquadrado. Mas Marcelo sabia bem ao que ia.
O i sabe que o presidente não vê com bons olhos “dois pesos e duas medidas” em relação à ação futura destes governantes em matérias relacionadas com a Galp.
Marcelo Rebelo de Sousa, no fundo, veio lembrar que, tal como fez o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, ao impedir o seu secretário de Estado Jorge Costa Oliveira de tratar de assuntos relativos à Galp, a medida deve ser extensível aos outros envolvidos: Rocha Andrade, nas Finanças, e João Vasconcelos, na Economia.
Para o Presidente da República, estes três membros do governo devem ficar inibidos e tocar em assuntos ligados à petrolífera portuguesa.
De todos os envolvidos, o caso do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é aquele que tem causado mais polémica. É que a Galp tem um conflito ainda em aberto com o Estado português ao recusar-se a pagar um imposto no valor de 100 milhões de euros. E este é um assunto da responsabilidade direta do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,
Rocha Andrade, desde o início da polémica, relativizou essa questão invocando que, tratando-se de uma questão de contencioso entre as partes, as decisões efetivas relacionadas com esses processos judiciais “não são uma competência do governo, mas sim dos tribunais.
Além de tudo isto, recorde-se que Fernando Rocha Andrade tem ainda a particularidade de ser reconhecido como um dos amigos mais próximos do primeiro-ministro.
O i perguntou aos ministérios das Finanças e da Economia se há alguma decisão das respetivas tutelas de inibir Costa Andrade e João Vasconcelos em matérias relacionadas com a Galp e ainda não obteve qualquer resposta.